Quem são os atletas de fossa olímpica que dominam o cenário mundial? Como são seus principais resultados em competições da ISSF? Quantas competições oficiais da ISSF participam ao longo de um ano? Existe alguma relação entre idade e rendimento? Ou entre número de participações em competições e rendimento? A fim de procurar as respostas para essas questões, fizemos um levantamento entre 193 atletas de todo o mundo que participaram de pelo menos uma competição oficial da ISSF entre maio de 2023 e junho de 2024. Veja o resultado desta pesquisa neste artigo.
Por Luiz Eduardo Dias, com a colaboração de Igor Rodrigues de Assis
Atletas da fossa olímpica mundial
Todos nós que praticamos o tiro esportivo sabemos que inúmeros fatores técnicos, físicos e comportamentais podem interferir em nosso desempenho. Entretanto, são poucas informações disponíveis sobre questões simples, que muitas vezes nos perguntamos. Até que idade posso ser competitivo? A minha preparação para grandes torneios deve envolver a maior participação em provas internacionais? A flutuação (gangorra) na performance também ocorre com atletas de alto rendimento? Com estas e outras questões em mente, nos propusemos a realizar uma pesquisa que nos apontasse uma tendência quanto às respostas.
Como a pesquisa foi realizada
Para conduzir essa pesquisa partimos de um universo de 193 atletas, de 49 países, que participaram de etapas da ISSF World Cup Shotgun de maio de 2023 a junho de 2024, além de etapas eliminatórias para os Jogos Olímpicos de Paris 2024 (Quadro 1).
Inicialmente os dados de todos os atletas foram tabulados e analisados estatisticamente (Quadro 2), por meio de estudos de descrição e correlação. Em seguida, foram realizados testes univariados não paramétricos, uma vez que os dados não possuem distribuição normal e o número de participações em provas (repetições) varia entre os atletas. O fato de os escores dos atletas em diferentes competições não formarem um conjunto de dados com distribuição normal, indica que existem vários fatores que condicionam ou interferem na performance. Talvez se todos os 193 atletas tivessem participado das mesmas etapas e competições (condições ambientais iguais a todos) os resultados poderiam apresentar distribuição normal.
Data | Local | Etapa |
20-29/05/2023 | Almaty, Cazaquistão | ISSF World Cup Shotgun |
08-17/07/2023 | Lonato, Itália | ISSF World Cup Shotgun |
14/08-01/09/2023 | Baku, Azerbaijão | World Championship |
12-22/01/2024 | Kuwait, Kuwait | Asian Olympic Qualification |
24/01-01/02/2024 | Cairo, Egito | ISSF World Cup Shotgun |
29/02-09/03/2024 | São Domingos, Rep. Dominicana | Olympic Qualification CAT XIV Shotgun |
19-29/04/2024 | Doha, Qatar | ISSF Final Qualification Championship |
04-13/02/2024 | Rabat, Marrocos | ISSF World Cup Shotgun |
01-12/05/2024 | Baku, Azerbaijão | ISSF World Cup Shotgun |
17-27/05/ 2024 | Lonato, Itália | European Championship Shotgun |
10-19/06/2024 | Lonato, Itália | ISSF World Cup Shotgun |
Total de atletas | 193 |
Nro. médio de part. em provas | 3,2 |
Média geral do escore dos atletas nas provas | 116/125 |
Mediana geral do escore dos atletas nas provas | 116,5/125 |
Maior média de escores entre os atletas | 122/125 |
Menor média de escores entre os atletas | 100/125 |
Desvio padrão dos escores | 3,5 |
A idade dos atletas é um fator determinante para obter alto rendimento?
Considerando todos os 193 atletas, a idade média é de 36 anos e a mediana 34,5. Mohammad Beyranvand (média de 119/125), do Irã, é o atleta mais jovem com 16 anos, e Qusous T. I. Aiman (média de 100/125), da Jordânia, com 61,6 anos, o mais idoso. O desvio padrão entre as idades foi de 10,6 anos.
Seis atletas (3,1%) possuem 60 anos ou mais. A idade média entre eles é de 61,0 anos e o escore médio é de 111,9/125, enquanto a mediana é de 113,5/125.
A análise não indicou a existência de correlação entre performance e idade. Apesar de existir maior concentração de atletas com bons resultado (> 118/125) na faixa de 25 a 43 anos de idades, existem atletas com idades inferiores e superiores a essa faixa com resultados acima do Índice Mundo (118/125). Isso explica a não obtenção de correlação entre idade e escores, conforme pode ser observado na Figura 1. Ou seja, os dados indicam um comportamento compatível com a premissa de que o tiro ao voo é um esporte no qual a possibilidade de obtenção de bons resultados não se restringe a uma faixa etária específica.
Com a finalidade de afunilar mais a pesquisa no sentido da alta performance, procedeu-se uma análise visando separar os atletas em grupos de performance, levando-se em consideração não apenas a média e a mediana dos escores de cada atleta, mas também a variabilidade de seus resultados ao longo das diferentes etapas que participaram. Os 193 atletas foram divididos em 19 grupos, considerando atletas que participaram de pelo menos duas das 11 etapas que formaram o banco de dados dessa pesquisa. Destes foram selecionados os 30 atletas mais bem colocados que formaram dez grupos (Quadro 3).
Clas. | Atleta | País | Nro. de eventos | Idade | Média escore | Desvio padrão | Grupo |
1 | Matjaz Lepen | Eslov. | 3 | 32,1 | 121,0 | 0,00 | 1 |
2 | Massimo Fabrizzi | Itália | 5 | 47,0 | 121,0 | 1,55 | 1 |
3 | Willian Hinton | Usa | 5 | 28,6 | 120,6 | 1,36 | 2 |
4 | Scott Mein Derrick | Usa | 5 | 39,1 | 120,6 | 1,62 | 2 |
5 | James Willett | Aust. | 8 | 28,6 | 120,5 | 1,87 | 3 |
6 | Daniele Resca | Itália | 5 | 38,0 | 120,8 | 2,40 | 4 |
7 | Mauro De Filippis | Itália | 4 | 44,0 | 120,3 | 2,49 | 4 |
8 | Giovanni Cernogoraz | Croácia | 5 | 41,6 | 120,0 | 2,28 | 4 |
9 | Alberto Fernandez | Espanha | 9 | 41,2 | 119,7 | 1,41 | 4 |
10 | Ying QI | China | 5 | 27,6 | 119,8 | 1,17 | 5 |
11 | Josip Glasnovic | Croácia | 6 | 41,3 | 119,5 | 1,61 | 5 |
12 | Krzysztof Mrozek D. | Polônia | 3 | 21,2 | 119,3 | 0,94 | 6 |
13 | Oguzhan Tuzun | Turquia | 6 | 41,8 | 120,0 | 1,53 | 6 |
14 | Khaled Almudhaf | Kuwait | 4 | 46,2 | 120,0 | 3,08 | 6 |
15 | Haicheng Yu | China | 4 | 26,4 | 121,5 | 2,50 | 6 |
16 | Bostjan Macek | Eslov. | 5 | 52,2 | 119,2 | 1,60 | 6 |
17 | Aron Heading | Ing. | 6 | 37,2 | 119,0 | 1,15 | 6 |
18 | Nathan Hales | Ing. | 4 | 28,2 | 119,0 | 1,22 | 7 |
19 | Jan Palacky | R. Checa | 4 | 24,2 | 119,0 | 1,22 | 7 |
20 | Jean Brol Cardenas | Guat. | 5 | 41,7 | 119,0 | 1,67 | 7 |
21 | Mohammad Beyranvand | Irã | 5 | 16,0 | 119,0 | 1,67 | 7 |
22 | Giovanni Pallielo | Itália | 4 | 54,6 | 119,0 | 2,45 | 8 |
23 | Jukka Laakso | Finlândia | 3 | 46,4 | 119,0 | 2,16 | 8 |
24 | Andres Garcia | Espanha | 6 | 20,5 | 119,0 | 2,52 | 8 |
25 | Alessandro F. de Souza | Peru | 3 | 32,4 | 118,7 | 1,70 | 9 |
26 | Bhowneesh Mendiratta | Índia | 6 | 25,1 | 119,2 | 3,44 | 9 |
27 | Yuhao Guo | China | 5 | 33,5 | 118,6 | 1,50 | 9 |
28 | Clement Bourgue | França | 7 | 24,8 | 118,4 | 2,50 | 9 |
29 | Hussein Daruich | Brasil | 3 | 16,9 | 118,7 | 2,62 | 10 |
30 | Ahmed Kamar | Egito | 3 | 37,9 | 118,3 | 0,47 | 10 |
Neste agrupamento, que poderia ser chamado de elite, existem dados interessantes que podem ser ressaltados. A idade dos atletas variou entre 16 e 54,7 anos, sendo que quatro atletas são juniores (13%) e o restante são da categoria Sênior.
Em termos de participações nos eventos da ISSF fica a dúvida: será que quanto maior for o número de participações nas etapas e competições melhor será a performance do atleta? Trata-se de uma questão um pouco complexa, porque envolve diferentes fatores intrínsecos de cada atleta. Obviamente que maior número de participações é fundamental para o atleta adquirir experiência e melhor controle emocional durante as provas. Os dados mostram que além de bons resultados, o atleta deve apresentar regularidade ao longo de uma temporada para se manter entre os melhores. Entretanto, no tiro esportivo, como em outros esporte onde o controle emocional e mental é fundamental, é muito comum a ocorrência de períodos de bons resultados intercalados com resultados ruins (a chamada gangorra).
Vejamos os dois atletas que formam o grupo 1 (melhores classificados). O esloveno Matjaz Lepen participou de apenas três competições da ISSF, obtendo o mesmo resultado 121/125. Ou seja, um excelente resultado e sem variabilidade. Em segundo lugar ficou o italiano Fabrizzo Massimo, com cinco participações e da mesma forma, um rendimento excelente com pequena variabilidade entre as provas disputadas (Quadro 4).
Ao final do agrupamento, o brasileiro Hussein Daruich e o egípcio Ahmed Kamar, formaram o Grupo 10, na 29ª e 30ª colocação, respectivamente. Hussein Daruich obteve dois ótimos resultados e, em sua terceira e última participação obteve 115/125, trazendo grande variabilidade ao resultado. Já, Ahmed Kamar a performance é diferente, pois obteve boa regularidade nos resultados, porém estes foram inferiores aos demais atletas. Enfim, as análises realizadas indicam claramente que regularidade associada com resultados excelentes podem melhor definir atletas de alto desempenho.
Etapa | Matjaz Lepen | Massimo Fabrizzi | Hussein Daruich | Ahmed Kamar |
Almaty 05/2023 | 122/125 | |||
Lonato 06/2023 | 121/125 | |||
Baku 08/2023 | 122/125 | 121/125 | 118/125 | |
Rabbat 02/2024 | 121/125 | |||
São Dom. 03/2024 | 120/125 | |||
Doha 04/2024 | 121/125 | 118/125 | 115/125 | 118/125 |
Baku 05/2024 | 119/125 | |||
Lonato 05/2024 | 121/125 | 122/125 | ||
Desvio padrão | 0,00 | 0,69 | 2,16 | 0,47 |
Dentre os 30 atletas ranqueados nesta pesquisa, 15 participaram dos Jogos Olímpicos de Paris. Entre os seis finalistas que participaram da final olímpica, quatro atletas estavam presentes: Natan Hales (medalha de ouro), Ying Qi (medalha de prata), Jean Brol Cardenas (medalha de bronze) e James Willet (sexto colocado). Os dados relativos aos Jogos Olímpicos de Paris estão de acordo com a distribuição em grupos realizada pelas análises estatísticas. Entretanto, devem ser interpretados com cuidado, uma vez que a participação nos jogos depende, dentre outros fatores, das cotas continentais, além da limitação de dois atletas por país.
Por falar em países, adotando-se o critério de melhores resultados, número de participações em provas e menor variabilidade entre resultados, quais seriam os países em destaque? Com uma certa surpresa – pelo menos para este autor – os Estados Unidos se coloca, de maneira isolada, em primeiro lugar. Em seguida, formando um segundo grupo estão Austrália, Eslovênia, China e Itália; no terceiro grupo encontra-se Guatemala e, em um quarto grupo o Brasil se coloca juntamente com Peru, Inglaterra, Turquia e República Checa (Quadro 5).
Classificação | País | Grupo |
1 | Estados Unidos | 1 |
2 | Austrália | 2 |
3 | Eslovênia | 2 |
4 | China | 2 |
5 | Itália | 2 |
6 | Guatemala | 3 |
7 | Peru | 4 |
8 | Inglaterra | 4 |
9 | Turquia | 4 |
10 | Brasil | 4 |
11 | Rep. Checa | 4 |
12 | Espanha | 5 |
13 | Croácia | 5 |
14 | Irã | 5 |
15 | Taiwan | 6 |
16 | Luxemburgo | 6 |
17 | Portugal | 6 |
18 | Kuwait | 6 |
19 | Índia | 6 |
20 | Polônia | 6 |
21 | França | 6 |
22 | Qatar | 6 |
Um aspecto a ser considerado nesta pesquisa refere-se às condições ambientais de cada uma das etapas que compuseram as 11 selecionadas para a pesquisa. Ou seja, para melhor comparar a performance e avaliar o perfil dos atletas de alto rendimento e minimizar esse efeito, foi realizada uma segunda análise estatística considerando apenas as três etapas que participaram maior número de atletas. Foram elas: Baku (agosto 2023), Doha (2024) e Lonato (maio de 2024). Do universo de 193 atletas que formaram o banco de dados, apenas 45 participaram dessas três etapas.
Neste grupo de 45 atletas, a idade média é 38 anos, sendo o atleta mais jovem com 22,7 anos (Johannes Maekelae Juho, da Finlândia) e o mais idoso com 57,7 anos ( Jean-Marc Tilmant, Bélgica).
Da mesma forma como observado para o grupo de 193 atletas, neste grupo não foi observada correlação significativa entre idade e escores médios das três etapas. Por outro lado, observou-se uma correlação negativa e significativa entre desvio padrão e escores médios (r = – 0,410). Resultado que reforça a importância da regularidade de resultados.
Conclusões
Primeiramente os resultados obtidos devem ser interpretados a partir de uma primeira visão, onde foram considerados apenas 11 eventos oficiais da ISSF, em um período de 13 meses que antecederam os Jogos Olímpicos de Paris 2024.
Certamente a combinação de bons resultados e a manutenção destes por longos períodos, evitando-se a chamada gangorra, é que definem um atleta de excelência. A abordagem estatística adotada nesta pesquisa veio confirmar essa afirmação, que obviamente não é uma grande novidade. Porém, a pesquisa cumpriu seus objetivos, trazendo ao leitor informações mais detalhadas sobre como é o cenário, em termos de atletas, da Fossa Olímpica (Trap Olímpico) mundial.
O autor agradece a importante colaboração do Prof. DSc. Igor Rodrigues de Assis, da Universidade Federal de Viçosa, na condução das análises estatísticas.