CONE DE FORÇAMENTO E O RECUO DE ARMAS.

Matheus Glucksberg no Playoff 2023 em Caxias do Sul

Por Luiz Eduardo Dias

Em abril de 2021 a REVISTA PEDANA publicou, em seu site, um artigo intitulado “Uma rápida visão sobre o recuo da arma”. Na matéria falamos sobre o que causa o recuo da espingarda ao efetuar um disparo e como as empresas, armeiros e atletas fazem para minimizar o desagradável efeito do recuo. Neste artigo, vamos dar uma ênfase maior ao cone de forçamento. Um componente da arma que possui papel determinante na melhora da conformação da chumbada e na intensidade do recuo decorrente do disparo do cartucho.

O recuo

O recuo de uma arma é causado por vários princípios físicos e fatores que entram em jogo quando um tiro é disparado. A causa primária do recuo é a lei de conservação do momento, que pode ser explicada através da terceira lei do movimento de Newton: para cada ação (força) existe uma reação (força) igual e no sentido contrário. Contra os princípios e leis da física, não existem argumentos. Ou nos adaptamos ou criamos mecanismos para minimizar o recuo.

Vale lembrar que o recuo não traz somente incomodo físico ao atleta de tiro esportivo. A exatidão de um segundo disparo sequencial pode ser fortemente comprometida, caso o recuo seja muito intenso e a arma não esteja bem ajustada ao atleta ou sua contenção não seja realizada corretamente.

Os seguintes fatores contribuem para que um atirador sinta o recuo da arma a realizar um disparo:

– Gases em expansão: quando a pólvora em um cartucho de espingarda se inflama, ela rapidamente produz gases em expansão. Esses gases exercem pressão tanto sobre a bucha e a chumbada (empurrando-os para frente) quanto sobre a espingarda (empurrando-a para trás). Essa força retrógrada é sentida como recuo.

– Conservação da energia (Momentum): na física o momentum é o produto da velocidade com a massa. Ou seja, maior a velocidade e a massa, maior será o momentum. Dessa forma, ao disparo de um cartucho, a bucha e a chumbada se deslocam com determinada velocidade ao longo do cano da arma, gerando um momentum no sentido do deslocamento. Este momentum deve ser equilibrado por um momento igual em sentido oposto (conservação da energia). Como a massa da espingarda é muito maior do que a massa do tiro, a velocidade da espingarda se movendo para trás (recuo) é muito menor, mas ainda é significativa o suficiente para ser sentida pelo atirador.

– Peso da arma: o próprio peso da espingarda afeta o recuo. Uma espingarda mais pesada absorve mais energia de recuo, resultando em menos recuo sentido para o atirador. Por outro lado, espingardas mais leves tendem a ter recuo mais pronunciado.

– Design da coronha e seu ajuste às características físicas do atirador: o design e o ajuste da coronha da espingarda podem influenciar como o recuo é sentido pelo atirador. Uma coronha bem ajustada pode ajudar a distribuir a força de recuo de forma mais uniforme pelo ombro e rosto do atirador, reduzindo o desconforto e o recuo percebido.

– Características do cone de forçamento e do cano: o comprimento e design do cone de forçamento e a configuração geral do cano (alma, por exemplo)podem afetar a transição suave da bucha e chumbada da câmara para a ponta do cano, influenciando a intensidade do recuo.

Tipo de ação: o tipo de ação (por exemplo, pump, semiautomática) também pode afetar o recuo. As espingardas semiautomáticas geralmente usam parte da energia do tiro disparado para ciclar a ação, o que pode reduzir a quantidade de recuo em comparação com espingardas com outros tipos de ação.

Na literatura podem ser encontradas diferentes fórmulas matemáticas para o cálculo do recuo. De maneira geral, as fórmulas consideram variáveis como: massa de pólvora; massa da bucha; massa das esferas de chumbo; massa da espingarda; comprimento do cano da espingarda e velocidade da chumbada na ponta do cano.

No artigo anteriormente publicado no site da Revista Pedana, apresentamos uma tabela com a força de reação (recuo) de diferentes cartuchos produzidos pela CBC no Brasil. Para melhor ilustrar os efeitos do peso da arma e da velocidade da chumbada sobre a intensidade do recuo, as figuras 1 e 2 mostram o efeito dessas variáveis.

Na Figura 1 é apresentada a energia de recuo de três cartuchos contendo 32g de chumbos (7½) produzidos pela CBC, mas que possuem diferentes velocidades de chumbada. A velocidade do cartucho Voo Hélice é 12% maior que a do cartucho T200 light, o que faz com que sua energia de recuo seja cerca de 25% maior.

Recuo da arma em função da velocidade da chumbada
Figura 1. Energia de recuo, em função de diferentes velocidades de chumbada, de três cartuchos de 32g de chumbos produzidos pela CBC. Para o cálculo da energia, as demais variáveis que atuam sobre a energia de recuo foram consideradas constantes. A velocidade da chumbada, entre outros fatores, pode ser alterada em função da quantidade e das características da pólvora utilizada na fabricação dos cartuchos.

O efeito do peso da arma sobre a energia de recuo pode ser observado na Figura 2. Adotando-se como referência o cartucho F-125 contendo 24g de chumbos (7 ½), o recuo produzido por seu disparo em uma espingarda pesando 3,2kg é cerca de 19% superior ao disparo do mesmo cartucho em uma arma pesando 3,8kg. Lembrando que para o cálculo da energia de recuo, as demais variáveis que afetam esse efeito foram mantidas constantes.

Alterar o peso da arma adicionando lastros na coronha ou no cano são procedimentos utilizados para reduzir o recuo. Entretanto, deve-se ter a atenção sobre o efeito destes lastros sobre o balanço da arma.

Recuo da arma em função do peso da arma
Figura 2. Energia de recuo em função de diferentes pesos de arma, produzido pelo disparo de um cartucho F-125 contendo 24g de chumbos (7 ½). Para o cálculo da energia, as demais variáveis que atuam sobre a energia de recuo foram consideradas constantes.

O cone de forçamento e a redução do recuo

Um aspecto não considerado pelas fórmulas que calculam o recuo, é o fato de que as fabricantes de armas procuram reduzir o recuo proporcionado pelo disparo não só alterando o design da coronha e o peso da espingarda, mas também por meio de componentes que, direta ou indiretamente, o fazem.

O cano de uma espingarda possui naturalmente um cone interno, chamado de cone de forçamento (forcing cone). Este cone, localizado imediatamente após a câmara (Figura 3), faz com que a bucha e a chumbada, ao saírem do cartucho, transitem do diâmetro maior (da câmara) para o diâmetro menor (alma do cano).

Ilustração das partes de um cano de espingarda
Figura 3. Esquema ilustrativo de um cano de espingarda, com destaque para o posicionamento do cone de forçamento.

Ao longo do tempo, os fabricantes de armas verificaram que um cone de forçamento mais longo, além de promover melhor agrupamento e menor deformação na rosata (dispersão das esferas de chumbo), aumenta o volume interno da câmara de combustão, contribuindo para a redução do recuo da arma. Este efeito é atribuído ao fato de que a maior angulação do cone de forçamento (Figura 4) provoca maior deformação dos chumbos e compressão de gases, o que resulta em maior energia de reação, ou seja, maior recuo.

Outro fator a ser considerado está relacionado à velocidade da chumbada. A constrição provocada pelo cone aumenta a velocidade da chumbada, o que colabora com o aumento do recuo. Um cone mais longo faz com que a constrição seja mais gradual e, consequentemente, a aceleração seja mais suave e o recuo menor. Da mesma forma, uma transição de diâmetro mais suave também ajuda na melhor vedação dos gases por trás do disparo, o que pode aumentar a eficiência da queima do propelente e contribuir para um padrão de recuo mais consistente e previsível.

cone de forçamento do cano de uma espingarda
Figura 4. Ilustração de dois canos de espingardas calibre 12 com cone de forçamento diferentes. No cano com cone de forçamento mais curto, após o disparo do cartucho, a bucha e os paletes de chumbo são bruscamente comprimidos para a bitola da alma do cano (18,6 mm, no exemplo), causando um impacto no cano que, por sua vez, gera a energia de reação na forma de recuo. No cano contendo o cone de forçamento mais longo, a compressão da chumbada é mais suave, gerando um impacto menor e, consequentemente, menor recuo.

A tendência de aumentar a extensão do cone à medida que recursos tecnológicos foram incorporados à fabricação de armas, pode ser observada ao se comparar os modelos de espingardas produzidas pela fabricante italiana Beretta.  A clássica 682 lançada em 1984 possui um cone de forçamento de 101 mm, enquanto no modelo 694, lançado em 2019, o cone possui 320 mm de comprimento.

Interessante ressaltar que o modelo DT11 da Beretta, que foi lançado em 2011 como o modelo top de linha entre as armas de competição da fabricante, possui um cone com 450 mm de comprimento. Já o modelo SL2 cuja plataforma foi originalmente apresentada ao público em 2020, possui um cone de 460 mm. De acordo com a fabricante, além de possuir linhas futurísticas, este modelo possui soluções técnicas de última geração.

Quanto maior o cone de forçamento maior é seu efeito? De acordo com vários autores a resposta é não. Parece existir um limite onde os efeitos positivos sobre o padrão da chumbada, deformação da rosata e recuo da arma deixam de existir. Mas qual seria este tamanho limite? Em uma rápida pesquisa na internet são encontrados diferentes valores, a grande maioria determinados de maneira empírica ou no achismo. De acordo com os modelos mais recentes da Beretta, poderíamos afirmar que seria algo entorno de 460 mm?

Nos estados Unidos e alguns países da Europa é relativamente comum a existência de armeiros especializados em alongar o cone de forçamento de armas cujos projetos são mais antigos. Geralmente essas alterações não passam de 150 mm.

Enfim, é evidente que o comprimento do cone de forçamento é um dos fatores, determinantes na intensidade do recuo de uma arma. Todavia, se o recuo de sua arma causa profundo incômodo, neste artigo mostramos que você pode interferir em outros fatores que determinam sua intensidade. Pequenas alterações na coronha, troca de soleira, ou simplesmente o uso de cartuchos com menor carga de chumbos e de pólvora, saem mais barato que a troca de arma.

Bons tiros!

Este autor agradece a colaboração do atleta pernambucano Roberth Vieira na revisão do texto. Roberth foi por cinco vezes campeão brasileiro de Skeet e tem sido presença constante na equipe brasileira de tiro ao prato.

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