No Brasil existem bons instrutores de tiro ao prato e tiro à hélice. Veja por que considero fundamental participar de clínicas de tiro esportivo, independentemente do nível técnico do atleta.
Luiz Eduardo Dias
O Brasil não é mais o país do futebol. Somos um povo que gosta, acompanha e pratica diferentes esportes. Por outro lado, podemos listar vários fatores que justificam a razão do Brasil não ser, de maneira geral, uma grande potência nos esportes. Talvez com exceção dos esportes coletivos como futebol e vôlei, que possuem forte estrutura profissional, não observamos em nosso país grandes políticas de investimentos na formação de atletas de esportes individuais. Quando me refiro a políticas esportiva. entenda-se como pública e privada. Claro que existem empresas que apoiam este ou aquele atleta, como no caso do tiro esportivo, por exemplo. — e estas iniciativas devem ser reconhecidas, aplaudidas e apoiadas.
No entanto, de maneira geral, nosso país ainda depende do surgimento de obstinados heróis como Eder Jofre, Maria Esther Bueno, Joaquim Cruz, Guga, César Cielo, Gustavo Borges, Robert Scheidt e Isaquias Queiroz, citando apenas alguns dentre tantos que brilharam em suas modalidades esportivas.
Especificamente em relação ao tiro esportivo, além dos fatores sociais, culturais e políticos que dificultam o Brasil ser uma potência, acrescenta-se o fator econômico. O tiro esportivo, notadamente o tiro ao voo, é um esporte caro, assim como o hipismo, a vela, o automobilismo, citando apenas alguns. O “caro” nestas modalidades nem sempre é o iniciar, mas manter-se competitivo, pois demanda treinamento intensivo, consumo de insumos, viagens, equipe de apoio técnico e de saúde física e mental.
Para o iniciante no tiro esportivo é importante que o processo seja adequadamente conduzido, de maneira que sejam evitadas as consolidações de erros técnicos, que possam demandar muito tempo e recursos financeiros para serem corrigidos. Assim, o caminho mais curto e de menor custo financeiro é participar de clínicas de tiro oferecida por um bom instrutor. Felizmente, no Brasil, existem excelentes instrutores que oferecem clínicas regulares.
Após ter participado de três clínicas de tiro esportivo, com diferentes instrutores, pude formar um modelo geral, retirando de cada um dos instrutores aquilo que hoje considerado como fundamental no processo de aprendizado e aprimoramento no tiro ao prato. Desta maneira, este artigo tem como objetivo passar ao leitor um pouco da experiência adquirida e, obviamente, salientar a importância de participar de clínicas de tiro, independentemente do nível técnico em que o esportista se encontra.
As Clínicas de tiro: o atirador
O tiro esportivo é considerado um esporte onde o preparo mental é fundamental para um bom rendimento. No caso do tiro ao voo, vencida as barreiras das técnicas básicas e do treinamento da memória muscular em relação aos movimentos necessários para o tiro, o maior desafio se apresenta na forma do treinamento mental.
Fatores fundamentais da preparação mental para um bom rendimento são autoconfiança, determinação e foco. Muito já foi escrito a este respeito — veja o artigo na REVISTA PEDANA onde este assunto foi apresentado com um pouco mais de profundidade.
O fato é que não importa o quanto o atleta domina a técnica: se a mente do atirador não está treinada e preparada para o alto rendimento, será difícil consegui-lo. Por isso, é importante buscar os elementos que fundamentam o controle mental necessário para uma prática saudável e competitiva das diferentes disciplinas de tiro ao voo.
Outro aspecto importante para o atirador é ter consciência daquilo que ele espera da prática de tiro esportivo, ou seja, qual é o objetivo? O objetivo é ter uma atividade de lazer e a oportunidade de fazer novas amizades? Ou, além disto, é ser um atleta que se auto desafia na busca da excelência? Ou, mais além, fazer parte da elite nacional para poder defender a bandeira nacional em campeonatos internacionais?
Para cada nível de prática esportiva existirão barreiras que dificultam o caminho. Esta questão é dinâmica e complexa, porém o praticante deve ter em mente de que se trata de um esporte desafiante e que demanda muita dedicação e o investimento de recursos financeiros.
Digo isso para que não ocorram frustrações com a prática do esporte. É fundamental que o atleta tenha em mente o que espera do tiro esportivo e o que ele pode proporcionar em função de habilidades pessoais, tempo para dedicação e recursos financeiros disponíveis. Desta forma, ele manterá sempre ao seu lado a alegria e o entusiasmo, componentes primordiais para manter a mente em condições para evoluir no controle mental.
As clínicas de tiro: atirador e arma
De maneira geral, as clínicas para principiantes no tiro esportivo ao voo se iniciam pelo ensino de postura de tiro e como efetuar a visada. Lembrando que a visada do alvo varia conforme a disciplina de tiro. Por exemplo, a visada para Trap Americano é diferente da visada que deve ser realizada para boa parte dos alvos lançados em provas de Percurso de Caça ou Compak.
Para a visada correta, é necessário que o instrutor atue em dois aspectos de grande importância: determinar se existe dominância ocular e, caso positivo, determiná-la; certificar-se de que a arma esteja perfeitamente “ajustada” às características físicas do atirador. Quanto à existência de dominância ocular, ela é determinante no tiro esportivos e deve ser adequadamente avaliada pelo instrutor.
Para outras informações sobre dominância cruzada e outros tipos de dominância ocular, veja o artigo publicado na REVISTA PEDANA.
Da mesma forma, certificar-se de que a arma esteja adequadamente ajustada à formação corporal do atirador é um passo fundamental, realizado antes que o instrutor passe para as etapas práticas da disciplina de tiro ao voo a ser ministrada pela clínica. Costuma-se dizer que o atirador não deve se ajustar à arma e sim a arma se ajustar ao atirador. Nesta etapa, o instrutor verifica o comprimento da coronha (acesso ao gatilho); inclinação da coronha (drop); cast e pitch. Estes ajustes referem-se à conformação do rosto e da escápula do atleta em relação à coronha. As coronhas devem ser trabalhadas de maneira em que o ajuste seja perfeito, permitindo a visada correta.
A escolha de uma espingarda, cuja coronha possua regulagem de drop e cast por meio de naselo, facilita este ajuste. Neste aspecto, ressalta-se a importância das coronhas feitas sob medida que permitem o refinamento de um ajuste perfeito. No Brasil existem artesãos que fazem coronhas de ótima qualidade. Na minha opinião, este é um trabalho cuja relação custo/benefício é extremamente favorável.
As clínicas de tiro: a técnica
Uma vez resolvida a questão do ajuste da arma, a clínica de tiro inicia a abordagem teórica sobre a disciplina de tiro ao voo em foco. Aspectos relacionados aos tipos de trajetórias de alvos, posicionamento dos pés, ponto de partida da visada e movimento dos braços, são explicados de maneira objetiva para que o atirador entenda a dinâmica da modalidade de tiro ao voo e assim consiga um tiro perfeito. No caso do Trap Americano — em que o prato deve ser abatido enquanto este se encontra em uma rota ascendente — traz implicações importantes quanto à regulagem da coronha, visada e momento de tiro.
De acordo com a modalidade de tiro esportivo ao voo, existe maior ou menor complexidade nesta etapa, que certamente terá melhor compreensão por parte do atirador a partir dos exercícios práticos de tiro.
As clínicas de tiro: a prática
Uma vez entendida a dinâmica da modalidade, os instrutores das clínicas de tiro passam para os exercícios práticos que permitirão ao aluno praticar aquilo que ele aprendeu no embasamento teórico.
A repetição de alvos na mesma trajetória permite a visualização do movimento do prato e o emprego dos conhecimentos teóricos passados para que o alvo seja atingido corretamente. No caso do Trap Americano, por exemplo, o disparo em pratos lançados para 17o para a esquerda e para a direita, acrescido do lançamento reto (perpendicular em relação ao posto três de tiro), repetido por várias vezes em cada posto de tiro, permite que se inicie o treinamento visual e a memória muscular comece a ser formada.
Durante os disparos repetitivos, o instrutor tem a oportunidade de constatar os erros dos atiradores: o posicionamento do corpo — especialmente dos pés — no posto de tiro, o ponto de visada de espera, o tempo de tiro, a gatilhada, o descolamento do rosto da coronha e a interrupção do movimento da arma após o disparo são exemplos dos erros mais comuns e que podem ser facilmente identificados e corrigidos pelo instrutor.
As clínicas de tiro: a competição
Geralmente o encerramento de uma clínica de tiro esportivo envolve uma rápida competição entre os alunos. Esta etapa tem importância para que o aluno iniciante sinta como a ansiedade e o nervosismo podem, de maneira intensa e efetiva, fazer com que todo o aprendizado obtido durante a clínica seja esquecido —como em um passe de mágica. Já para aqueles que possuem mais experiência no tiro, é o momento de corrigir pequenos vícios ou erros e aprimorar detalhes que podem fazer a diferença.
As clínicas de tiro: o instrutor
Espero que a importância de participar de clínicas de tiro tenha ficado evidente para o leitor. Por outro lado, surge a pergunta: mas com qual instrutor devo fazer a clínica? Como dito anteriormente, felizmente existem ótimos instrutores no Brasil. Alguns possuem cursos oferecidos por instituições como a CBTE, por exemplo.
Dentre as clínicas de tiro que já tive a oportunidade de participar, ficou evidente que cada instrutor tem uma abordagem e carrega consigo experiências de vida e também como atleta do tiro. Para alguns, existe a questão do talento nato e a abordagem intuitiva. Para outros, a abordagem é voltada para uma avaliação técnica aprimorada e para a necessidade de treinamentos intensos e repetitivos. Da mesma forma, existem instrutores que preferem trabalhar com maior ênfase à questão da preparação mental. Por isso é interessante, sempre que possível, participar de clínicas, pois sempre existirá uma abordagem distinta e algo novo para aprender.