Conhecendo os atletas de alto rendimento da fossa olímpica mundial.
setembro 13, 2024
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Qual é o perfil dos atletas de fossa olímpica que dominam o cenário mundial? Como são seus principais resultados em competições da ISSF? Quantas competições oficiais da ISSF
Quem são os atletas de fossa olímpica que dominam o cenário mundial? Como são seus principais resultados em competições da ISSF? Quantas competições oficiais da ISSF participam ao longo de um ano? Existe alguma relação entre idade e rendimento? Ou entre número de participações em competições e rendimento? A fim de procurar as respostas para essas questões, fizemos um levantamento entre 193 atletas de todo o mundo que participaram de pelo menos uma competição oficial da ISSF entre maio de 2023 e junho de 2024. Veja o resultado desta pesquisa neste artigo.
Por Luiz Eduardo Dias, com a colaboração de Igor Rodrigues de Assis
Atletas da fossa olímpica mundial
Todos nós que praticamos o tiro esportivo sabemos que inúmeros fatores técnicos, físicos e comportamentais podem interferir em nosso desempenho. Entretanto, são poucas informações disponíveis sobre questões simples, que muitas vezes nos perguntamos. Até que idade posso ser competitivo? A minha preparação para grandes torneios deve envolver a maior participação em provas internacionais? A flutuação (gangorra) na performance também ocorre com atletas de alto rendimento? Com estas e outras questões em mente, nos propusemos a realizar uma pesquisa que nos apontasse uma tendência quanto às respostas.
Como a pesquisa foi realizada
Para conduzir essa pesquisa partimos de um universo de 193 atletas, de 49 países, que participaram de etapas da ISSF World Cup Shotgun de maio de 2023 a junho de 2024, além de etapas eliminatórias para os Jogos Olímpicos de Paris 2024 (Quadro 1).
Inicialmente os dados de todos os atletas foram tabulados e analisados estatisticamente (Quadro 2), por meio de estudos de descrição e correlação. Em seguida, foram realizados testes univariados não paramétricos, uma vez que os dados não possuem distribuição normal e o número de participações em provas (repetições) varia entre os atletas. O fato de os escores dos atletas em diferentes competições não formarem um conjunto de dados com distribuição normal, indica que existem vários fatores que condicionam ou interferem na performance. Talvez se todos os 193 atletas tivessem participado das mesmas etapas e competições (condições ambientais iguais a todos) os resultados poderiam apresentar distribuição normal.
Data
Local
Etapa
20-29/05/2023
Almaty, Cazaquistão
ISSF World Cup Shotgun
08-17/07/2023
Lonato, Itália
ISSF World Cup Shotgun
14/08-01/09/2023
Baku, Azerbaijão
World Championship
12-22/01/2024
Kuwait, Kuwait
Asian Olympic Qualification
24/01-01/02/2024
Cairo, Egito
ISSF World Cup Shotgun
29/02-09/03/2024
São Domingos, Rep. Dominicana
Olympic Qualification CAT XIV Shotgun
19-29/04/2024
Doha, Qatar
ISSF Final Qualification Championship
04-13/02/2024
Rabat, Marrocos
ISSF World Cup Shotgun
01-12/05/2024
Baku, Azerbaijão
ISSF World Cup Shotgun
17-27/05/ 2024
Lonato, Itália
European Championship Shotgun
10-19/06/2024
Lonato, Itália
ISSF World Cup Shotgun
Quadro 1. Competições que formaram o banco de dados utilizados para a presente pesquisa
Total de atletas
193
Nro. médio de part. em provas
3,2
Média geral do escore dos atletas nas provas
116/125
Mediana geral do escore dos atletas nas provas
116,5/125
Maior média de escores entre os atletas
122/125
Menor média de escores entre os atletas
100/125
Desvio padrão dos escores
3,5
Quadro 2. Varáveis de estatística descritiva dos 193 atletas que formam o banco de dados da pesquisa.
A idade dos atletas é um fator determinante para obter alto rendimento?
Considerando todos os 193 atletas, a idade média é de 36 anos e a mediana 34,5. Mohammad Beyranvand (média de 119/125), do Irã, é o atleta mais jovem com 16 anos, e Qusous T. I. Aiman (média de 100/125), da Jordânia, com 61,6 anos, o mais idoso. O desvio padrão entre as idades foi de 10,6 anos.
Seis atletas (3,1%) possuem 60 anos ou mais. A idade média entre eles é de 61,0 anos e o escore médio é de 111,9/125, enquanto a mediana é de 113,5/125.
No Brasil, a categoria de atletas veteranos – com 65 anos ou mais – é muito competitiva e sempre presente nas etapas do Campeonato Brasileiro de Fossa Olímpica da CBTE.
A análise não indicou a existência de correlação entre performance e idade. Apesar de existir maior concentração de atletas com bons resultado (> 118/125) na faixa de 25 a 43 anos de idades, existem atletas com idades inferiores e superiores a essa faixa com resultados acima do Índice Mundo (118/125). Isso explica a não obtenção de correlação entre idade e escores, conforme pode ser observado na Figura 1. Ou seja, os dados indicam um comportamento compatível com a premissa de que o tiro ao voo é um esporte no qual a possibilidade de obtenção de bons resultados não se restringe a uma faixa etária específica.
Figura 1. Distribuição de escores médios (pontos) em função da idade dos 193 atletas que formaram o banco de dados da pesquisa.
Com a finalidade de afunilar mais a pesquisa no sentido da alta performance, procedeu-se uma análise visando separar os atletas em grupos de performance, levando-se em consideração não apenas a média e a mediana dos escores de cada atleta, mas também a variabilidade de seus resultados ao longo das diferentes etapas que participaram. Os 193 atletas foram divididos em 19 grupos, considerando atletas que participaram de pelo menos duas das 11 etapas que formaram o banco de dados dessa pesquisa. Destes foram selecionados os 30 atletas mais bem colocados que formaram dez grupos (Quadro 3).
Clas.
Atleta
País
Nro. de eventos
Idade
Média escore
Desvio padrão
Grupo
1
Matjaz Lepen
Eslov.
3
32,1
121,0
0,00
1
2
Massimo Fabrizzi
Itália
5
47,0
121,0
1,55
1
3
Willian Hinton
Usa
5
28,6
120,6
1,36
2
4
Scott Mein Derrick
Usa
5
39,1
120,6
1,62
2
5
James Willett
Aust.
8
28,6
120,5
1,87
3
6
Daniele Resca
Itália
5
38,0
120,8
2,40
4
7
Mauro De Filippis
Itália
4
44,0
120,3
2,49
4
8
Giovanni Cernogoraz
Croácia
5
41,6
120,0
2,28
4
9
Alberto Fernandez
Espanha
9
41,2
119,7
1,41
4
10
Ying QI
China
5
27,6
119,8
1,17
5
11
Josip Glasnovic
Croácia
6
41,3
119,5
1,61
5
12
Krzysztof Mrozek D.
Polônia
3
21,2
119,3
0,94
6
13
Oguzhan Tuzun
Turquia
6
41,8
120,0
1,53
6
14
Khaled Almudhaf
Kuwait
4
46,2
120,0
3,08
6
15
Haicheng Yu
China
4
26,4
121,5
2,50
6
16
Bostjan Macek
Eslov.
5
52,2
119,2
1,60
6
17
Aron Heading
Ing.
6
37,2
119,0
1,15
6
18
Nathan Hales
Ing.
4
28,2
119,0
1,22
7
19
Jan Palacky
R. Checa
4
24,2
119,0
1,22
7
20
Jean Brol Cardenas
Guat.
5
41,7
119,0
1,67
7
21
Mohammad Beyranvand
Irã
5
16,0
119,0
1,67
7
22
Giovanni Pallielo
Itália
4
54,6
119,0
2,45
8
23
Jukka Laakso
Finlândia
3
46,4
119,0
2,16
8
24
Andres Garcia
Espanha
6
20,5
119,0
2,52
8
25
Alessandro F. de Souza
Peru
3
32,4
118,7
1,70
9
26
Bhowneesh Mendiratta
Índia
6
25,1
119,2
3,44
9
27
Yuhao Guo
China
5
33,5
118,6
1,50
9
28
Clement Bourgue
França
7
24,8
118,4
2,50
9
29
Hussein Daruich
Brasil
3
16,9
118,7
2,62
10
30
Ahmed Kamar
Egito
3
37,9
118,3
0,47
10
Quadro 3. Lista dos 30 atletas de melhor desempenho (escore + regularidade + número de participações) de acordo com análise estatística não paramétrica para separação em dez grupos.
Neste agrupamento, que poderia ser chamado de elite, existem dados interessantes que podem ser ressaltados. A idade dos atletas variou entre 16 e 54,7 anos, sendo que quatro atletas são juniores (13%) e o restante são da categoria Sênior.
Figura 2. Hussein Daruich é o atleta brasileiro de alto rendimento que ficou na vigésima nona posição no ranqueamento.
Em termos de participações nos eventos da ISSF fica a dúvida: será que quanto maior for o número de participações nas etapas e competições melhor será a performance do atleta? Trata-se de uma questão um pouco complexa, porque envolve diferentes fatores intrínsecos de cada atleta. Obviamente que maior número de participações é fundamental para o atleta adquirir experiência e melhor controle emocional durante as provas. Os dados mostram que além de bons resultados, o atleta deve apresentar regularidade ao longo de uma temporada para se manter entre os melhores. Entretanto, no tiro esportivo, como em outros esporte onde o controle emocional e mental é fundamental, é muito comum a ocorrência de períodos de bons resultados intercalados com resultados ruins (a chamada gangorra).
Vejamos os dois atletas que formam o grupo 1 (melhores classificados). O esloveno Matjaz Lepen participou de apenas três competições da ISSF, obtendo o mesmo resultado 121/125. Ou seja, um excelente resultado e sem variabilidade. Em segundo lugar ficou o italiano Fabrizzo Massimo, com cinco participações e da mesma forma, um rendimento excelente com pequena variabilidade entre as provas disputadas (Quadro 4).
Ao final do agrupamento, o brasileiro Hussein Daruich e o egípcio Ahmed Kamar, formaram o Grupo 10, na 29ª e 30ª colocação, respectivamente. Hussein Daruich obteve dois ótimos resultados e, em sua terceira e última participação obteve 115/125, trazendo grande variabilidade ao resultado. Já, Ahmed Kamar a performance é diferente, pois obteve boa regularidade nos resultados, porém estes foram inferiores aos demais atletas. Enfim, as análises realizadas indicam claramente que regularidade associada com resultados excelentes podem melhor definir atletas de alto desempenho.
Etapa
Matjaz Lepen
Massimo Fabrizzi
Hussein Daruich
Ahmed Kamar
Almaty 05/2023
122/125
Lonato 06/2023
121/125
Baku 08/2023
122/125
121/125
118/125
Rabbat 02/2024
121/125
São Dom. 03/2024
120/125
Doha 04/2024
121/125
118/125
115/125
118/125
Baku 05/2024
119/125
Lonato 05/2024
121/125
122/125
Desvio padrão
0,00
0,69
2,16
0,47
Quadro 4. Resultados obtidos pelos dois primeiros atletas (Grupo 1) e dois últimos (Grupo 10) em diferentes competições e desvio padrão em relação à média dos resultados de cada atleta.
Dentre os 30 atletas ranqueados nesta pesquisa, 15 participaram dos Jogos Olímpicos de Paris. Entre os seis finalistas que participaram da final olímpica, quatro atletas estavam presentes: Natan Hales (medalha de ouro), Ying Qi (medalha de prata), Jean Brol Cardenas (medalha de bronze) e James Willet (sexto colocado). Os dados relativos aos Jogos Olímpicos de Paris estão de acordo com a distribuição em grupos realizada pelas análises estatísticas. Entretanto, devem ser interpretados com cuidado, uma vez que a participação nos jogos depende, dentre outros fatores, das cotas continentais, além da limitação de dois atletas por país.
Por falar em países, adotando-se o critério de melhores resultados, número de participações em provas e menor variabilidade entre resultados, quais seriam os países em destaque? Com uma certa surpresa – pelo menos para este autor – os Estados Unidos se coloca, de maneira isolada, em primeiro lugar. Em seguida, formando um segundo grupo estão Austrália, Eslovênia, China e Itália; no terceiro grupo encontra-se Guatemala e, em um quarto grupo o Brasil se coloca juntamente com Peru, Inglaterra, Turquia e República Checa (Quadro 5).
Classificação
País
Grupo
1
Estados Unidos
1
2
Austrália
2
3
Eslovênia
2
4
China
2
5
Itália
2
6
Guatemala
3
7
Peru
4
8
Inglaterra
4
9
Turquia
4
10
Brasil
4
11
Rep. Checa
4
12
Espanha
5
13
Croácia
5
14
Irã
5
15
Taiwan
6
16
Luxemburgo
6
17
Portugal
6
18
Kuwait
6
19
Índia
6
20
Polônia
6
21
França
6
22
Qatar
6
Quadro 5. Lista dos 22 países que formam os principais grupos em termos rendimento, variabilidade entre resultados e número de participações em eventos oficiais da ISSF, durante o período de maio de 2023 e junho de 2024.
Um aspecto a ser considerado nesta pesquisa refere-se às condições ambientais de cada uma das etapas que compuseram as 11 selecionadas para a pesquisa. Ou seja, para melhor comparar a performance e avaliar o perfil dos atletas de alto rendimento e minimizar esse efeito, foi realizada uma segunda análise estatística considerando apenas as três etapas que participaram maior número de atletas. Foram elas: Baku (agosto 2023), Doha (2024) e Lonato (maio de 2024). Do universo de 193 atletas que formaram o banco de dados, apenas 45 participaram dessas três etapas.
Neste grupo de 45 atletas, a idade média é 38 anos, sendo o atleta mais jovem com 22,7 anos (Johannes Maekelae Juho, da Finlândia) e o mais idoso com 57,7 anos ( Jean-Marc Tilmant, Bélgica).
Da mesma forma como observado para o grupo de 193 atletas, neste grupo não foi observada correlação significativa entre idade e escores médios das três etapas. Por outro lado, observou-se uma correlação negativa e significativa entre desvio padrão e escores médios (r = – 0,410). Resultado que reforça a importância da regularidade de resultados.
Conclusões
Primeiramente os resultados obtidos devem ser interpretados a partir de uma primeira visão, onde foram considerados apenas 11 eventos oficiais da ISSF, em um período de 13 meses que antecederam os Jogos Olímpicos de Paris 2024.
Certamente a combinação de bons resultados e a manutenção destes por longos períodos, evitando-se a chamada gangorra, é que definem um atleta de excelência. A abordagem estatística adotada nesta pesquisa veio confirmar essa afirmação, que obviamente não é uma grande novidade. Porém, a pesquisa cumpriu seus objetivos, trazendo ao leitor informações mais detalhadas sobre como é o cenário, em termos de atletas, da Fossa Olímpica (Trap Olímpico) mundial.
O autor agradece a importante colaboração do Prof. DSc. Igor Rodrigues de Assis, da Universidade Federal de Viçosa, na condução das análises estatísticas.