COMO ADMINISTRAR A GANGORRA DE PERFORMANCE NO TIRO ESPORTIVO

tiro ao prato-gangorra de performance

Todo esportista, independente do esporte, sabe que seu rendimento pode variar ao longo de uma temporada. Essa variação, que chamo de gangorra de performance, pode ser mais intensa em esportes onde a força e o equilíbrio mental são fundamentais, como no tiro esportivo, por exemplo. Neste artigo, apresento, de maneira resumida, alguns aspectos que podem gerar essa variabilidade na performance e como podemos agir para enfrentá-la de maneira mais tranquila e superá-la de maneira mais rápida.

Luiz Eduardo Dias.*

O caminho para uma boa performance.

Quando começamos no tiro esportivo o entusiasmo é uma constante na medida em que começam a surgir bons resultados. O aprendizado de técnicas corretas nos permite um salto significativo na performance. Lembro que a primeira vez que tive contato com o tiro ao prato foi em uma pedana improvisada, com uma máquina de lançamento manual em uma encosta. A arma era uma Boito, sem qualquer ajuste para minha visada ou comprimento do braço. Resultado: 3/25!!!! Desanimo? Não! Pelo contrário. Fui imediatamente “infectado pelo vírus”.

Alguns meses depois, já com minha própria Boito, fui convidado para fazer uma clínica com o Valdir Abel e Giovani Suriz em Palmas, no Tocantins. Após os ajustes na arma vieram os ensinamentos técnicos, uso de máscara para meu olho dominante esquerdo, e tudo mais. Ao final da clínica, a felicidade de estar fazendo 17/25. Um grande salto!

Após as sequências de treinos, participações em provas de diferentes campeonatos se atinge um patamar (platô) no rendimento. Neste momento, a constância nos resultados indica que a técnica básica foi compreendida, absorvida e está sendo empregada. No meu caso, foi um patamar que se situava por volta de 19-21/25.

Neste momento, tem início um processo, por vezes decepcionante. A ansiedade em sair deste platô e conseguir melhores resultados pode levar o atleta à sua primeira experiência na gangorra de performance. Foi o meu caso! Hora meus resultados situavam-se entorno de 16-17/25; hora 19-21/25. Esses altos e baixos se prolongaram por meses. O que me levou a um estado de desapontamento e de frustação.

Após um período de reflexão sobre como sair dessa situação? Busquei o aprimoramento técnico participando de novas clínicas. Uma com o grande mestre internacional Carlo Danna. Outra com o campeão Roberto Schmits.  Cada instrutor, de acordo com sua experiência e visão do tiro esportivo, acrescentou detalhes técnicos que me permitiram ter melhor entendimento do processo do tiro ao voo e, o mais importante, saber lidar com as dificuldades que podem nos levar à gangorra de performance.

Participar de clínicas com renomados técnicos são importantes para superar gangorras de performance.
Participar de clínicas com renomados técnicos são importantes para superar gangorras de performance. Foto: Nadja Costa.

Graças a experiência adquirida ao longo de seis anos de tiro ao prato e as clínicas que participei, os períodos de baixo rendimento sessaram por um tempo a ponto de terminar o ano de 2023 com o vice-campeonato brasileiro de Trap Americano da LNTP, na categoria veteranos, com a média anual de 94/100.

Tenho certeza de que a minha história não é única. Acredito que possa ser muito comum entre atletas e entusiastas do tiro ao voo. Por isso, me senti motivado em compartilhar o que penso a respeito destas variações de performance.

Um aspecto interessante é que a gangorra de performance é mais comumente discutida quando os altos e baixos ocorrem por períodos longos, ou seja, semanas ou meses. Porém, os fatores que promovem o aparecimento de eventos de estresse durante uma prova, podem resultar em uma rápida variação de resultados nestes dias. Veja mais sobre estresse durante as competições no site da Revista Pedana.

No gráfico abaixo são apresentadas as fases hipotéticas da evolução da performance de um atleta padrão de tiro ao voo longo do tempo. No perfil de atleta padrão não se enquadram aqueles que chamamos de “fora da curva”, ou sejam, aqueles que já nascem com o dom e rapidamente chegam a alta performance e aqueles que não apresentam as habilidades necessárias para o esporte e não evoluem em termos de performance. Obviamente, considero a fases da curva como hipotéticas devido estarem baseadas na observação e no processo pessoal de evolução de performance. Pode – e certamente deve – existirem variações entre atletas.

Vamos às fases:

  1. Fase de Iniciação. São os primeiros contatos com o esporte. Nesta fase, o atirador está descobrindo o tiro ao voo, podendo ou não já possuir arma própria. O que pode fazer uma diferença significativa em decorrência do ajuste da arma às características corporais do atirador.
  2. Após ser “infectado pelo vírus”, o agora atleta, passa a procurar orientação técnica por meio do seu clube ou participando de clínicas. A evolução da performance, nesta fase, geralmente é significativa e rápida.
  3. Platô. Após a evolução técnica, pode existir um período de estagnação da performance. Na realidade, esse período refere-se ao tempo necessário para consolidar o conhecimento técnico adquirido na fase anterior. Ou seja, o atleta começa a criar a memória muscular, sua rotina pré-disparo e já percebe a importância do foco e da concentração, como componentes importantes do processo de tiro.
  4. Gangorra de performance. Período de elevada variação de performance decorrente de vários fatores que serão descritos mais a frente. A gangorra é caracterizada por grandes variações da performance em ciclos mais curtos de tempo. Nesse período, a confiança do atleta é abalada, gerando insegurança e questionamentos como: o que estou fazendo de errado? Por que não consigo manter bons resultados? Não é raro buscar soluções, alterando o ajuste da arma, mudando o choque ou mesmo a troca da arma. Neste momento, a saída adequada é realizar uma nova clínica ou efetuar treinos técnicos direcionados para aprimorar seus pontos fortes – para não os tornar fraquezas- ao invés de só fazer séries de 25 pratos a cada treino. O fortalecimento de pontos fortes é sempre pertinente, pois também reforça positivamente o fator psicológico do tiro, e, ao mesmo tempo, minimiza possíveis fraquezas.
  5. Fase de alto rendimento. Após muito treinos e competições, as técnicas básicas e de refinamento já estão consolidadas, a memória muscular encontra-se estabelecida, o preparo físico é adequado e o atleta possui elevada capacidade de controle mental. As variações de performance são pequenas, momentâneas e giram entorno de elevados escores.
gráfico representativo da gangorra de performance na formação de um atleta de tiro esportivo.

Alguns fatores que podem desencadear um processo de gangorra de performance.

Maus hábitos que levam a fugir da técnica. Com a repetição dos disparos em longos treinamentos ou provas, podem surgir maus hábitos na empunhadura da arma, posição dos pés e das mãos na arma, na perda de foco, no ponto de espera para o disparo etc. Maus hábitos também podem vir de conselhos de colegas que, embora sejam dados com a melhor das intensões, sabemos que nem tudo que “funciona” para um atleta, necessariamente vai “funcionar” para outro.

Falta de prática. Os treinamentos são importantes para o aprimoramento da técnica e desenvolvimento da memória muscular, tão importante para o tiro ao voo. Ficar sem treinar por um longo período, pode levar, por exemplo,  à redução na velocidade de reação e na velocidade de transferência de informações da visão para o cérebro (leitura) da trajetória do alvo.

Fadiga física. Treinos fortes e sucessivos são importantes para que o atleta esteja preparado para realizar séries de 100 até 200 pratos por dia nas competições. Entretanto, o excesso de treinos inadequados pode resultar em fraqueza muscular, desidratação e perda na capacidade de concentração. Estar bem-preparado fisicamente é muito importante para suportar séries longas de disparos sem que ocorra perda da capacidade de competir em alto nível. Caso contrário, a performance pode cair. Para um atleta que busca o alto rendimento, a preparação física por meio de exercícios aeróbicos e ganho de resistência muscular e mobilidade articular são tão importantes quanto os treinos na pedana.

Fatores psicológicos. Lidar com a pressão pela obtenção de bons resultados e a busca contínua pela perfeição, por meio de exaustivos mecanismos de manutenção do foco e da concentração podem levar a uma exaustão mental. Da mesma forma, a realização de treinamentos intensos sem objetivos específicos, atirar por atirar (só realizando séries de 25 pratos), podem resultar em fadiga mental a ponto de o rendimento cair. Os treinamentos devem ser realizados com objetivos específicos e na intensidade adequada. É de grande importância que o atleta tenha consciência de que a exaustão mental promove a queda no rendimento e pode dar início a um novo processo de gangorra da performance.

A perda da confiança, pensamentos negativos ou mesmo fatores de distração que podem resultar na redução da autoconfiança e da resiliência da força mental – e até mesmo estresse – são fatores psicológicos que podem promover queda na performance.

Fatores nutricionais e de bem-estar.  Muito atletas se preocupam com aspectos nutricionais somente durante os dias der provas. A hidratação e reposição iônica, o consumo de dietas equilibradas entre carboidratos e proteínas e vitaminas são igualmente importantes no dia a dia do atleta. Da mesma forma, evitar consumo excessivo de álcool e ter boas noites de sono fazem parte do “pacote” que possibilita ao atleta ter maior resistência física e mental para enfrentar os desgastes decorrentes da prática competitiva do tiro esportivo de alto rendimento.

Como superar a gangorra de performance?

É fácil superar a gangorra de performance? Não! Primeiramente é sabido que os fatores que podem conduzir ao aparecimento de um período de gangorra de performance agem diferentemente entre atletas. Cada ser humano reage à sua maneira quando se depara com dificuldades técnicas, físicas e mentais.

Da mesma forma, não é raro ouvir que a variação de resultados pode ser mais intensa em determinada disciplina de tiro ao voo que em outra.

Na Fossa Olímpica ela aparece mais que no Trap Americano. Será? Pode até ser, mas não sou 100% convicto disso. Ok, a maior velocidade e variabilidade de trajetórias do prato fazem com que na Fossa Olímpica, a técnica tenha que ser refinada uma vez que um pequeno deslize, resulta em fracasso. No Trap Americano, visto que os pratos são lançados com uma altura fixa, menor velocidade e angulação lateral, um pequeno deslize técnico pode não resultar, necessariamente, em fracasso.
Conforme relatado anteriormente, o fato da perda momentânea da perfeição na técnica de tiro não é o único fator desencadeador de uma baixa performance. Os fatores físicos e mentais podem ser tão ou mais importantes que os técnicos.

Mas qual seria a estratégia para minimizar a ocorrência de alternância entre as boas e más performances? Pelo exposto até aqui é evidente que deve ser uma estratégia que considere aspectos físicos e mentais. Vamos a eles:

Dê um tempo! Ou seja, se afastar do tiro, ou pelo menos das competições, por um período faz com que dificuldades intransponíveis percam importância e passem a ser encaradas como pequenos obstáculos. A visão ampla de quem está fora do epicentro pode ser reveladora e tranquilizante. O corpo e a mente descansam quando saímos da “panela de pressão”. Tire férias das pedanas. Vá pescar! Foque no ócio criativo, como proposto pelo sociólogo italiano Domenico De Masi.

Reveja suas motivações e objetivos. Uma vez afastado do epicentro, reflita sobre as motivações e objetivos que o levaram a ser um atleta do tiro ao voo. O que te motiva a ser um atleta de tiro esportivo? A adrenalina? O desafio? O prazer? Os amigos? As viagens?  E quanto às metas e objetivos? Seria legal, importante ou fundamental ser o grande campeão? O estabelecimento de metas é fundamental para se evoluir em qualquer atividade que se faça. A colocação de metas intangíveis é extremamente prejudicial. As metas devem ser colocadas como etapas para um objetivo maior, que seja no trabalho, no esporte ou na vida.

Foque em pontos essenciais. Motivação, técnica, disciplina e controle mental são essenciais para o sucesso no tiro esportivo de alto rendimento. Se a escolha é participar deste universo, foque nos aspectos essenciais. Perder o foco naquilo que não é essencial é um atalho para baixa performance.

– Pratique exercícios mentais. No artigo que escrevi sobre como lidar com o estresse durante as competições, comentei sobre a importância de visualizar os procedimentos e conversar, positivamente, consigo mesmo. Sempre foque nos aspectos positivos de sua performance. Reflita sobre os erros, mas deixe eles em seu devido lugar: no passado.

Procure um bom técnico e faça uma clínica. Para aqueles que não possuem um técnico à disposição, participar de clínicas é uma maneira inteligente de reciclar conhecimentos e ser observado, técnica e mentalmente. Durante as clínicas são realizadas várias repetições de alvos com a mesma trajetória, permitindo que o técnico verifique a padrão técnico dos movimentos, entre outros fatores. Pequenos vícios adquiridos ao longo do tempo e que não percebidos pelo atleta podem ser observados. Assim como a capacidade de concentração e postura frente aos erros e acertos. Enfim, não pense que participar de clínicas é apenas para iniciantes. Elas ajudam a descobrir detalhes que podem ser definitivos para romper um platô de baixos rendimentos.

Mantenha-se positivo. Tenha sempre em mente que a gangorra de performance existe naturalmente e, por ser uma gangorra, os períodos de baixa precedem os de alta performance. Portanto, tenha paciência e haja corretamente. Assim, o período de baixa performance poderá ser curto e o seu preparo físico, mental e técnico, permitirá que o período de alta seja significativamente mais longo.

– Regulagem da arma. É sempre recomendável conferir o ajuste de sua arma quanto a uma correta empunhadura e uma visada perfeita. Algumas pessoas têm maior facilidade de perder e ganhar peso. O rosto é uma parte do corpo que rapidamente mostra as variações de peso. Portanto, o apoio (encaixe) da bochecha no naselo varia com conforme o rosto engorda ou emagrece. Mantenha sua arma sempre perfeitamente ajustada a seu corpo.

Baixas performances podem ocorrer devido a alguma alteração na regulagem da arma ou mudanças corporais que afetam a visada perfeita.

Enfim, este é um tema importante e complexo. Certamente mais leituras e discussões com técnicos de diferentes áreas podem ser importantes para que o leitor tenha um conhecimento mais aprofundado. Tenha sempre em mente que a gangorra na performance ocorre com todos os atletas. Saber compreendê-la e como superá-la é fundamental para que um atleta de tiro esportivo tenha uma carreira sadia e vitoriosa.

Bons tiros!

Nadja Costa

* Este artigo contou com a colaboração e sugestões de Nadja Costa. Nadja é educadora física e técnica de Roberth Vieira, atleta CBC e campeão brasileiro de Skeet, que atira pelo Caxangá Golf & Country Club de Recife. O autor manifesta sua gratidão pela valiosa colaboração.

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