Por Luiz Eduardo Dias
Estresse
Na literatura existem diferentes definições de estresse, porém um ponto em comum entre elas é o fato de que ele pode ser gerado a partir de estímulos provenientes tanto do meio externo (ambiente) quanto do interno (pensamentos, sentimentos, cobranças).
A prática competitiva de um esporte traz consigo um estresse natural ao ser humano. Para lidar com essas novas situações, o corpo desencadeia reações que incentivam a produção de adrenalina e do cortisol, o hormônio do estresse. Razões internas e externas a nós causam alterações psicológicas e físicas que podem se manifestar na forma de ansiedade, nervosismo, medo, insegurança, rigidez muscular e tremor. Situação que pode abalar emocionalmente a ponto de o atleta perder o foco durante uma prova.
O foco excessivo no resultado, por exemplo, pode gerar um nível de ansiedade que causa um estresse. Se o atleta não souber lidar com estresse a ponto de ele exceder sua capacidade de controle, certamente o resultado de uma competição pode não ser a desejada. Por isso, é fundamental saber lidar com o estresse de maneira que não prejudique o rendimento em competições.
Importante salientar que o controle do estresse não quer dizer que o atleta deva controlar seus sentimentos, ansiedades e desejos a ponto de ficar indiferente a uma competição. Fundamental é saber detectar o que acontece para conseguir, o mais rápido possível, administrar e sair da situação desconfortante.
Certo nível de ansiedade é positivo pois aumenta a adrenalina, e na maioria das vezes, maior será sua vontade, garra e foco no momento do tiro. Ou seja, o controle do estresse proporcionado pela ansiedade de obter bons resultados pode ser transferido para a motivação e a determinação de fazer sua rotina de tiro perfeita.
Até atletas muito experientes podem ser pegos por uma sensação que causa nervosismo e estresse. O campeão mundial e europeu Matthew Coward-Holley, acostumado com grandes decisões relatou que durante a fase classificatória da Fossa Olímpica nas Olimpíadas de Tokio em 2021 estava muito relaxado. Quando se deu conta de que estaria na grande final, sentiu uma ansiedade e nervosismo que nunca tinha sentido. Resultado: conquistou o terceiro lugar, o que foi uma decepção para ele e para muitos, pois era o grande favorito.
Más como podemos evitar ou minimizar os efeitos danosos do estresse? A partir de a identificação dos fatores de estresse, como reagimos a esses (resposta) e, em seguida, estabelecer um plano de treinamento mental. Plano que pode envolver diferentes processos que resultem em maior controle daquilo que pensamos, sentimos e fazemos.
Os fatores externos de estresse
Inicialmente é importante ressaltar que normalmente competir no ambiente em que se está acostumado a treinar é menos estressante e traz melhores resultados. Isso acontece com frequência em esportes coletivos onde a torcida pode ter algum papel, quer seja no sentido de motivação ou desestabilização de adversários.
No tiro ao voo, o conhecimento do cenário pode ser uma grande vantagem em termos de equilíbrio emocional, reduzindo a ansiedade e, consequentemente, melhorando performance.
Uma prova social em seu clube pode causar um nível de estresse muito inferior daquele de uma prova nacional ou internacional. A familiaridade com o local das provas traz tranquilidade quanto ao ambiente externo.
Competir em lugar desconhecido pode trazer ansiedade e desequilíbrio emocional em decorrências de fatores físicos e psicológicos. Os fatores físicos mais comuns no tiro ao voo são temperatura, ventos, luz do sol, background, modo como as máquinas lançam os pratos, detalhes estruturais da casa das máquinas, entre outros. Já os psicológicos podem não ser tão comuns e evidentes, mas estão relacionados com a viagem, alimentação, hospedagem, relacionamentos, presença de pessoas externas à competição, cobrança etc.
Quanto maior a experiência de competir em locais diferentes, mais habilidades (ferramentas) poderão ser desenvolvidas para anular ou minimizar a possibilidade de desconforto e estresse em relação ao cenário da competição. Por isso é fundamental colocar o pé na estrada e ter experiências nas mais diversas condições de tiro.
Os efeitos psicológicos decorrentes dos fatores físicos ambientais de estresse podem ser mais sutis. Competição é um evento no qual não há certeza do que está por vir em termos de resultados. Num ambiente previsível e estável, como uma prova local no clube onde o atleta é associado, o que se espera é a obtenção de pontuações entorno da média atual do atleta. Isto decorre em função de um menor nível de estresse e, consequentemente, de ansiedade. Quando o ambiente é desconhecido, isto deixa de ser verdade. Se o atirador não está consciente dessas mudanças, a ansiedade pode aumentar e prejudicar a performance.
As etapas de campeonatos regionais e nacionais de qualquer modalidade de tiro ao voo são realizadas em diferentes clubes, com características distintas. Para evitar surpresas que possam trazer insegurança, aproveite a oportunidade para chegar um ou dois dias antes do início da competição para entender e se acostumar com os cenários (pedana). Veja como os pratos são lançados. Fixe-se na saída do alvo. Como o background interfere no acompanhamento da trajetória do alvo. Treine em diferentes horários e nas diferentes pedanas que serão utilizadas nas provas. Isto traz segurança e conforto. Pense em quais lentes poderão ser utilizadas em decorrência da luminosidade. Simule mentalmente uma prova e anteveja diferentes situações que possam trazer desconforto e faça um plano para mitigar ou eliminar seus efeitos.
Todavia, pequenas mudanças inesperadas de cenário podem passar despercebidas e desencadear uma situação conhecida como lutar ou fugir (fight or flight). Trata-se de umas resposta fisiológicas ao estresse com alterações físicas em nosso corpo: dilatação de pupilas, pele avermelhada, aumento da frequência cardíaca e respiratória e até tremores. Trata-se de um estado de alerta que pode ter um componente positivo em relação às demandas de tiro esportivo. Entretanto, se o atleta não souber controlar a situação, ela levará a um estresse e, possivelmente uma queda de rendimento.
Outros aspectos podem ser considerados em relação aos fatores externos, como por exemplo, alimentação, noite de sono, conversas paralelas que possam trazer insegurança e redução na autoconfiança. O estabelecimento de práticas e rotinas sadias podem minimizar, ou mesmo eliminar esse fatores de estresse.
Fatores internos de estresse
O que aconteceu com o atleta inglês Matthew Coward-Holley nas Olimpíadas de Tokio em 2021 poderia ter sido evitado? Difícil saber, pois não temos informações sobre sua preparação mental prévia às Olimpíadas. O que poderia ter sido feito?
Na preparação mental, o exercício de se colocar previamente em diferentes situações é importante. Com esse treinamento, o atleta prepara sua mente para lançar mão de ferramentas psicológicas que podem trazer conforto e estabilidade emocional, uma vez que mentalmente já se colocou frente à situação e planejou como enfrentá-la.
É consenso mundial que durante uma prova não se pode contar pratos errados e que cada prato (alvo) deve ser encarado como uma prova. A cada prato, o protocolo de tiro deve ser rigorosamente seguido, sem que haja preocupação com o resultado. A ocorrência de um erro, rapidamente deve ser considerado como passado! Qual foi a causa do erro? Nesse momento não interessa! Limpe a mente e siga seu protocolo.
Existem situações em que o atleta coloca em seu imaginário barreiras que na realidade não existem. Uma delas, muito comum entre os menos experientes, é se preocupar com que seus colegas ou com que o público possa comentar em decorrência de um mal resultado. Da mesma forma, estabelecer metas ousadas quanto a resultados é prejudicial, esquecendo-se que a evolução no tiro esportivo não ocorre de um dia para o outro. Por exemplo: fazer uma clínica com um excelente técnico e achar que na semana seguinte seus resultados serão fantásticos. O crescimento como atleta é gradual e depende de vários fatores. Ter calma e consciência de que esse processo normalmente é lento, evita o estabelecimento de metas muito ousadas e futuras frustrações.
Alguns atiradores mais ansiosos procuram a todo o momento encontrar respostas imediatas ao longo de seu crescimento como atleta. Quem não conhece um colega que adora ficar modificando o ajuste da coronha a cada mal resultado. Não que o ajuste da coronha não seja fundamental. Muito pelo contrário. Entretanto, essa prática pode gerar mais estresse e, consequentemente, intranquilidade e ansiedade quando praticada de forma impulsiva e sem embasamento técnico.
Respostas ao estresse
O estresse de uma competição é universal; todos respondem de uma maneira ou outra a estresse. A questão é como lidar com ele? Primeiro passo é aceitá-lo, para, em seguida, identificar suas origens e, finalmente, estabelecer mecanismos estratégicos que possam garantir uma boa performance, ou seja, um plano de controle mental, preparado individualmente para cada atleta.
Reconhecer os sinais de estresse, saber como responder a eles e aprender superar os sentimentos negativos provocados pelo fracasso é fundamental para se estabelecer uma estratégia mental positiva.
Respiração acelerada, incapacidade de refletir calmamente frente a ocorrências inesperadas, acelerar o tiro, dificuldade de manter a rotina de tiro durante a prova, se incomodar facilmente com o comportamento de adversários, são exemplos que claramente indicam que o atirador está vivendo um momento de estresse.
O importante é ficar a tento e não cair nas armadilhas que o consciente nos coloca que acabam por gerar a tão conhecida autossabotagem. É preciso estar um passo à frente do estresse e ter sensibilidade quanto aos sinais físicos e mentais que mostram que se algo não for alterado em relação ao comportamento, o nível de estresse ultrapassará o controlável.
O que ocorreu com Matthew Coward-Holley pode acontecer com qualquer atleta que se impõem a uma responsabilidade de resultado. Por isso, é fundamental saber entender os sinais do estresse e ter uma plano de ação para minimizar as fraquezas e maximizar as forças frente a situação causadora de estresse. Possuir um plano de controle mental (ferramentas) pode ser determinante para a performance.
Plano de controle mental para evitar estresse
O tiro esportivo exige treinamento, habilidade e foco. O estado de alerta gerado pela ansiedade, quando plenamente controlado, passa a ser extremamente positivo em relação à performance. Ou seja, para ser o mais habilidoso possível, um atirador precisa estar em um estado alterado em que a única coisa que importa é focar no alvo. Todo o resto é automático. Para atingir esse estado, você precisa estar relaxado e ter visão de túnel ao atirar. Qualquer distração, incluindo um estado de alerta ou preocupação indesejada, afetará seu estado mental
O treinamento apura a técnica e o controle mental faz que se mantenha o foco e a rotina seja realizada, mesmo sob pressão. Trata-se de um processo de superação de obstáculos impostos pelo ambiente.
A combinação dessas ações gera autoconfiança. As pessoas tornam-se mais confiantes porque atingem um nível de técnica e controle mental que permite a elas saberem que podem fazer e demonstrarem para si mesmas que são capazes de performarem em qualquer circunstância. Como resultado, qualquer erro em uma prova, embora possa ser prejudicial no momento, não terá efeito a longo prazo na performance. A falta de confiança, por outro lado, pode causar dificuldades na performance futura e aumentar a insegurança.
A seguir, a tradução livre de parte de um texto de autoria de Michael J. Keys, publicado na revista americana Shotgun Sports Magazine (fevereiro 2024), no qual relata a relação entre habilidade e confiança:
À medida que os níveis de habilidade de um atirador melhoram, a confiança geralmente também melhora. Isto se deve, em parte, a um viés cognitivo no qual o atirador superestima seu nível de habilidade. Isso é bom porque dá motivação ao atleta para melhorar, até chegar a um platô. Mesmo assim, a maioria dos atiradores ignora seus níveis reais de habilidade ou se acomoda com eles.Embora nem sempre haja uma correlação estreita entre confiança e habilidade, o treinamento pode melhorar a habilidade e a resposta do atleta ao estresse, trazendo mais confiança, devido à novos níveis de habilidade. Isso pode fortalecer a mente o suficiente para que um atirador possa ser mais eficaz em ambientes mais estressantes. Ou seja, houve evolução e um novo platô foi alcançadoO objetivo dos processos que visam o controle mental é canalizar a energia gerada pelos fatores de estresse de maneira estimulante e positiva, a favor da obtenção de uma boa performance. Porém, isso não é fácil!
Inicialmente um plano de controle mental deve considerar, de maneira integrada, os fatores externos e internos de estresse e os sinais que cada atirador manifesta frente ao estresse.
De maneira calma e relaxada é necessário refletir sobre quais fatores externos estão causando intranquilidade e insegurança. Geralmente, a maioria deles fogem do controle do atleta. Da mesma forma, a reflexão deve ser realizada em relação aos fatores internos. Uma vez identificados, devem ser trabalhados, por meio de treinamento, a fim de serem minimizados ou mesmo eliminados da mente.
Essa estratégia não apenas envolve muito trabalho, mas exige treinamentos que também incorporem diferentes técnicas mentais, como relaxamento, hipnose, meditação etc.
Existem diferentes técnicas de relaxamento, possibilitando que o atleta escolha aquela que se sinta mais à vontade para realizar e seja efetiva quanto ao objetivo. Uma vez escolhida, é fundamental manter uma rotina a tal ponto que existam gatilhos a fim de que se possa ter acesso rápido ao processo. Fator importante para enfrentar situações não previstas.
Como parte do plano o atleta deve aumentar sua capacidade de visualização. Entre as finalidades da visualização destacam-se: simplificar o processo de tiro, desenvolver métodos de treinamento, aprender a lidar com situações potencialmente estressoras e internalizar a importância da fusão corpo-mente no processo de tiro perfeito.
Além da visualização ser uma ferramenta importante para treinar a seco – e economizar cartuchos – ela pode ser utilizada imediatamente antes do disparo como uma forma de cristalizar o processo de um bom tiro. Praticamente ela é um treinamento de movimento, tempo e ritmo do tiro, fortalecendo mensagens subliminares aos músculos de como o corpo deve agir. Dessa maneira, o corpo e a mente estarão prontos para reagirem de forma correta quando o alvo for chamado.
A visualização também tem o aspecto positivo de relaxamento, uma vez que sua repetição sistemática traz tranquilidade quanto ao que deve ser realizado, reduzindo a ansiedade.
Outra ferramenta que fortalece o subconsciente de maneira a evitar a presença de pensamentos negativos de autossabotagem – o diabinho falando em nossos ouvidos – é conversar consigo mesmo. Uma conversa positiva, que encoraja e reforce sua habilidade e autoestima, traz, ao mesmo tempo, calma, motivação e determinação.
Experimente repetir: eu sei o que tem que ser feito; eu sei como fazer e vou fazer! Nunca converse consigo mesmo fazendo uma crítica negativa, tipo sou um idiota! Como fui errar um prato tão fácil! Não devia ter feito isso! Sempre seja positivo deixando os erros em seu devido lugar, ou seja, no passado. Evite terminar uma série de tiros reforçando os alvos que errou. Fortaleça em sua mente positivamente repetindo e comentando sobre os alvos que se tornaram pó decorrentes de um tiro perfeito.
Certamente o estabelecimento e desenvolvimento de um plano efetivo de controle mental para evitar o estresse de competição não é um processo rápido e simples. Entretanto, ele pode ser facilitado com a ajuda de profissionais especializados. Da mesma forma, é importante ter determinação, pois sem ela o processo pode ser muito mais longo e, muita vezes ineficaz, pois os objetivos podem não ser alcançados.
A transformação de dificuldades em estímulo/motivação é uma ferramenta muito potente que também esta relacionada à redução de estresse. Ou seja, seria algo como a tradicional frase “do limão uma limonada”. O que é uma dificuldade para um, pode não ser para outro. Os custos estão elevados? Pratique mais tiro seco! Ao invés de todas as vezes que for ao clube executar séries de 25 como treinamento, procure estabelecer treinamentos focados em suas dificuldades. Treine com baixa luminosidade, na chuva, no sol quente, com música alta. Enfim, vencer as dificuldades que causam estresse é um processo de superação que traz segurança, reduz a ansiedade e aumenta a autoestima. Fatores importantes de sucesso.
A questão de motivação está relacionada ao prazer de fazer a atividade. Por que procuramos o tiro esportivo como esporte? Porque gostamos de atirar! Gostamos porque é desafiante, gera adrenalina, nos socializamos e nos faz feliz. Então, cuidado para que não se torne uma fonte de estresse e de queda de autoestima. Tudo depende de como você encara a prática do esporte.
Existem dificuldades para a prática do tiro esportivo – notadamente no momento que nosso país vive – e sem prazer e determinação fica difícil atingir as conquistas desejadas.
Bons tiros!
O autor manifesta seu profundo agradecimento a Nadja Costa e Carlo Danna, pela revisão técnica e sugestões na elaboração deste artigo. Nadja é educadora física e técnica de Roberth Vieira, atleta CBC e campeão brasileiro de Skeet, que atira pelo Caxangá Golf & Country Club de Recife. Carlo Danna dispensa apresentações por sua importância mundial para o tiro ao voo. Um grande mestre!
