Como manter o foco durante as competições

uma forte rotina ajuda na autossuperação no tiro esportivo

Por Luiz Eduardo Dias

A partir de momento em que o atleta de tiro ao voo atinge um bom nível técnico, costuma-se dizer que o resultado alcançado é consequência de 90% de controle mental e 10% da técnica.

Isto é verdade se todos os seus movimentos e preparos para o tiro já estão em sua memória muscular e o processo é automático e inconsciente. No entanto, nosso consciente é como um jovem macaco que pula de galho em galho com tremenda facilidade e rapidez fazendo com percamos o foco durante uma prova de tiro. Para tanto, é importante que o atleta tenha um bom controle metal. Neste artigo, falaremos um pouco sobre como evitar as armadilhas do consciente e deixar o inconsciente trabalhar adequadamente para se obter um bom resultado em provas de tiro.

O consciente controla todas as nossas sensações, as nossas imagens mentais e o que pensamos. Todas as vezes em que pensamos em algo, fazemos isso conscientemente. O inconsciente é a fonte e a força das nossas habilidades que atuam na obtenção de uma boa performance. Durante o treino repetitivo de um processo consciente, são desenvolvidas habilidades que tornam o processo inconsciente. Ou seja, o consciente treina e educa o inconsciente, de maneira que o que incialmente parecia ser muito difícil (acertar 20 pratos em 25, por exemplo), com o treino repetitivo passa a ser algo plenamente factível graças ao que ficou gravado no inconsciente.

O ponto de partida para alcançar um melhor controle mental é ter a consciência de que cada prato lançado é uma prova isolada. Portanto, todo o preparo — físico e mental — necessário para se conseguir um disparo certeiro deve ser realizado no instante em que cada prato está para ser lançado. Acertando ou errando o alvo, o disparo já foi feito, virou passado. É necessário virar a página!!! Entre um prato e ou outro, inicia-se novamente todo o processo mecânico e mental para uma nova prova — ou seja, quando um novo prato será lançado. Assim, é necessário criar uma rotina para que o foco e a concentração sejam mantidos naquele intervalo de tempo. Portanto, a rotina seria uma maneira driblar  o consciente, para que não se perca o foco.

Você não pode esperar que o seu escore melhore até que o movimento de encaixar a arma seja realizado corretamente a cada disparo.

Um perfeito ajuste da arma para a visada correta é fundamental.

Antes de falarmos sobre o controle mental, é fundamental um breve comentário a respeito de como a arma e o atirador devem se preparar adequadamente para o tiro.

Para o disparo assertivo, é necessário que a espingarda se encaixe perfeitamente no ombro e a bochecha do atleta esteja adequadamente assentada a coronha (naselo), possibilitando que o olho principal de visada esteja perfeitamente alinhado com a varilha da arma. Este acerto no alinhamento dos olhos com a varilha é fundamental para um tiro assertivo.

O movimento de levantar a arma e encaixá-la no ombro deve ser inconsciente  — treinamento repetitivo — e realizado mecanicamente de maneira perfeita (veja a matéria sobre tiro seco publicado na seção de artigos -https://revistapedana.com/treino-seco-do-limao-uma-limonada/). Ou seja, estando a arma adequadamente ajustada às características físicas e anatômicas do atleta, é importante que a ponta do cano da arma seja direcionada automaticamente ao ponto em que o atirador esteja olhando. Para o disparo, é importante manter a visão no alvo e não se preocupar com o cano da arma ou a massa de mira, de tal forma que quando o atleta movimentar os olhos para acompanhar a trajetória do prato,  naturalmente o movimento dos braços fará com que a ponta do cano acompanhe este movimento. Assim, no momento do disparo, o atleta tem a certeza de que os chumbos serão direcionados para onde seus olhos estavam focados. Resolvida esta questão, sigamos para o preparo mental.

O preparo mental para entrar em uma prova pode ser decisivo para a obtenção de um bom escore.

Estar preparado mentalmente para uma competição ajuda a controlar a ansiedade e favorece a autoconfiança.

Antes do início de uma prova, o atleta precisa ter um momento de ativação de sua concentração, procurando deixar de lado todo e qualquer pensamento que possa causar a perda de foco. O atleta pode ficar calado, prestando atenção em sua respiração ou repetindo mentalmente a visualização de toda a rotina do tiro ou até mesmo ouvindo uma música que possa causar bem estar e facilitar a comunicação da mente o corpo. O atleta Vicent Hanccok, quatro vezes campeão mundial e membro da equipe olímpica americana de Skeet (ouro em 2008 e 2012 e 15º em 2016), sistematicamente utiliza uma ou duas canções que mentalmente são repetidamente cantadas.  Segundo o atleta, “a música ajuda a aumentar e canalizar a sua energia durante a competição”. O importante é preparar o consciente para que o inconsciente trabalhe de maneira positiva a seu favor.

Alguns atletas gostam de treinar a seco por algumas vezes, repetindo o movimento cadenciadamente para atingir pratos em diferentes direções. Uma boa dica é visualizar mentalmente todo o procedimento de início de uma prova: o caminhar para a pedana; colocar os cartuchos no bolso do colete ou no suporte da cintura; ver o aperto do choque; checar os óculos e protetores de ouvido; verificar a existência de vento e a posição do sol; caminhar para sua posição de tiro, se posicionar corretamente, repetir algumas vezes o movimento de encaixar a arma e iniciar a rotina de tiro.

Para aqueles que atiram há pouco tempo, realmente é um momento difícil: não é fácil controlar a ansiedade e ficar focado naquilo que deve ser feito. Saber usar a ansiedade de maneira positiva é uma arte que deve ser treinada. Assim, a ansiedade passa a ser aquela mola que prepara o atleta para que ele esteja plenamente consciente e com foco naquilo que  precisa ser feito para que ele tenha sucesso. Alguns atletas preferem controlar o nervosismo gerando certa agressividade em relação ao prato, ou seja, “com sangue nos olhos para moer o prato”. Trata-se de uma abordagem distinta à de procurar serenidade. Se esta é a sua ‘vibe’; e ela funciona para você, ótimo! O importante é saber trabalhar a mente de maneira em que a ansiedade possa trabalhar a favor do atleta.

A prova é momento de colher os frutos da dedicação aos treinamentos e ao preparo físico e mental.

O ponto de partida para um bom resultado em uma prova de tiro — independentemente da modalidade ou da disciplina —  é que este não deve ser o momento para se fazer testes ou experimentar algo novo. O atleta deve focar nos procedimentos realizados durante os treinos e fazer o que o seu corpo e mente já estão familiarizados. Estar fora da zona de conforto é prejudicial. Da mesma forma, é fundamental compreender que o escore será consequência de uma série de fatores que não estarão 100% sob controle no momento da prova. Portanto, não se preocupe com ele.

Independentemente da modalidade de tiro ao voo, o intervalo entre um disparo e outro — no Trap Americano este tempo pode variar entre 30 a 90 segundos, dependendo dos atletas que compõem a esquadra — pode ser um breve período ou um tempo extremamente longo para a nossa mente. Pode ser um instante  doloroso e frustrante ou um momento de satisfação e fortalecimento da autoconfiança. Tudo depende da maneira como preenchemos esse tempo, independentemente se o tiro anterior foi certeiro ou não.

Uma vez posicionado para o começo da prova, é hora de iniciar a rotina de tiro: pré-disparo, disparo, pós-disparo e espera.

O preparo mental ajuda a entender e controlar os pensamentos que ocorrem durante uma prova de tiro.

—  Pré-disparo é aquele momento em que o atleta inicia o movimento de encaixar a arma no ombro de maneira que a visada esteja perfeita. Este momento não deve exigir qualquer raciocínio (consciente), uma vez que o atleta já treinou o movimento inúmeras vezes, tornando-o mecânico e automático (inconsciente).

— Disparo: com a arma empunhada corretamente é hora de chamar o prato e disparar. O atleta deve evitar gastar mais do que três segundos nesta segunda etapa. Se gastar mais do que isso, dará tempo para o consciente começar a perguntar: a arma está encaixada corretamente? Parece que tem um vento vindo por traz e o prato vai baixar. Ainda não saiu nenhum prato para direita, então este vai sair para a direita. Não posso repetir aquela gatilhada!!! Vou atirar mais rápido porque o vento começou a ficar forte. Estes pensamentos tiram o foco do atleta no momento do disparo e aumentam significativamente a chance de fracasso e ajudam a derrubar sua segurança e autoestima. As informações sobre vento são importantes, mas devem ser processadas no intervalo entre tiros.

Pós-disparo: após realizar o disparo o momento pode ser de alegria interior e de fortalecimento da autoestima. No entanto, cuidado para não perder o foco com excesso de alegria. Se o tiro não atingiu o alvo, rapidamente o consciente deve informar o motivo do erro. Depois disso, o atleta deve virar a página o mais rapidamente possível. Nada de pensar que agora só posso fazer 24. Novo prato! Prova que segue! É fácil observar o comportamento de atletas AAA e ver que a grande maioria executa a sua rotina, sem lamentar um erro ou vibrar euforicamente por um acerto — a não ser o último de uma série em que se atingiu o score desejado. Não se vê um atleta de elite, após um prato perdido, virar para trás, balançar a cabeça e se lamentar. Estas atitudes, diminuem a autoestima, tira o atleta do foco e, certamente, é meio caminho andado para mais um erro (ou como se diz nos bastidores de uma prova: uma bicicleta).

Após a perda de um prato, a rotina planejada deve ser mantida como se a prova fosse iniciar novamente. Esta atitude traz novamente à tona a autoconfiança. Conforme comentamos anteriormente, não é que você não deva refletir sobre a razão de ter perdido o prato. Sim, é muito importante saber o que causou a falha: antecipação do momento de disparo? Lentidão no movimento? Excesso de lead? Descolamento da bochecha? Gatilhada? Falta de acompanhamento da trajetória do prato após o disparo? Fechamento de um dos olhos? Identificando o motivo do erro, mentalmente é necessário refazer o procedimento completo sem o erro. Desta forma, seu subconsciente restaura o processo correto.

A autoconfiança é de extrema importância para um disparo tranquilo e certeiro. O excesso de autoconfiança passa a ser um problema se ele conduz o atleta a certa displicência quanto à rotina do disparo. Portanto, deve se buscar um equilíbrio que permita a manutenção do foco.

– Espera: a etapa de espera pode ser longa e repleta de armadilhas. É nesta fase que muitos se perdem e os pensamentos voam, principalmente se atleta errou o último tiro e não sabe lidar com este fato. Uma boa dica é repetir uma frase, lembrar o refrão de uma música ou prestar a atenção na respiração. Isto é, procurar um mantra que afaste os pensamentos inoportunos (o consciente) até o momento de se iniciar um novo ciclo da rotina com a primeira fase (pré-disparo) novamente. Para tanto, é necessário um bom preparo mental para não cair nas armadilhas.

Saber controlar a mente é decisivo para a superação e a obtenção de bons resultados.

Manter o controle mental no intervalo entre disparos é fundamental para a obtenção de um resultado.


Seja qual for a modalidade de tiro – estático ou em movimento – é fundamental estar mentalmente preparado para uma competição. Na literatura mundial são encontradas diferentes obras relacionadas ao assunto.

Para aqueles que desejam se aprofundar, recomendamos a leitura de dois livros: 1. Mind vs Target. Six Steps to Winning in the Clay target Mind Field (SportExcel Inc., 2012). Neste livro, o atleta Bob Palmer explica o método SportExcel System, desenvolvido por ele e adotado por uma infinidade de esportistas; 2.  The mental Management® System. With Winning in Mind. Lanny Bassham. 3a edição. 2011. O autor foi campeão americano, mundial e olímpico de tiro e pertence ao USA Shooting Hal of Fame.

Enfim, este texto não tem a menor pretensão de esgotar o assunto, uma vez que é complexo e não deve ser entendido como decisivo ou fundamental para o sucesso. Não é raro nos depararmos com atletas que não seguem nada além de seu extinto e atiram com uma tranquilidade de quem está batendo um papo descontraído. Entretanto, muitas vezes são talentos natos para tiro ao voo que, possivelmente, seriam incapazes de manter um rendimento de excelência por longo tempo se não trabalharem um mínimo de controle mental e seguirem, pelo menos em parte, uma rotina de tiro durante as provas.

Bons tiros! Divirtam-se e não esqueçam: curtam e valorizem os bons momentos e as amizades que tiro esportivo proporciona.

2 respostas

  1. Olá não conhecia a revista pedana mais após esse artigo já virei fã obrigado pela explicação simples e ao mesmo tempo muito rica de conhecimento

    1. Prezado Ary,

      Muito obrigado por acessar a revista. Nosso objetivo é este mesmo, procurar trazer informações úteis para os amantes do tiro ao voo. Fique a vontade para sugerir artigos ou mesmo tirar dúvidas, pois temos o prazer de contar com especialistas em diferentes disciplinas.

      Abraço,

      Luiz Eduardo

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