Autossuperação no tiro esportivo. Como buscá-la?

autossuperação

Altos e baixos são uma constante na vida de um atleta de tiro esportivo, exigindo mecanismos de autossuperação para manter a autoconfiança e a motivação para continuar enfrentando as dificuldades que o esporte impõem. O texto a seguir é um ótimo testemunho de como uma atleta olímpica de FO descobre mecanismos internos para superar os momentos de oscilação de seus resultados.

Por Luiz Eduardo Dias

A autossuperação no tiro esportivo

Praticar tiro esportivo é um constante exercício de autossuperação. Vivemos em uma montanha russa de resultados. Algumas vezes inexplicáveis. Entretanto, quando se procura uma explicação a partir de uma reflexão mais profunda – que pode ser com a ajuda de seu treinador ou de um outro atleta – na maior parte das situações, é possível encontrar respostas para as oscilações de resultados.

Nesta semana, me deparei com um texto publicado pela atleta Georgina Roberts. Ela faz parte da equipe olímpica inglesa de FO, é instrutora e proprietária de clube de tiro na Inglaterra. O texto fala de sua decepção ao participar da primeira Copa do Mundo de 2023 em Rabat, no Marrocos. De maneira didática ela nos mostra como tem lidado, com a ajuda de seu treinador, para superar seus momentos de decepção com resultados insatisfatórios.

Veja, a seguir, uma livre tradução do texto publicado em 25 de janeiro de 2023 no portal da scribehound.

Um exemplo de autossuperação

Uma decepcionante primeira Copa do Mundo do ano não foi um desastre total, porque aprendi algo sobre mim

Às vezes me surpreendo. 

Tenho momentos difíceis, horas, dias, como todo mundo. Esses momentos podem me fazer questionar se tudo vale a pena, seja esporte ou negócios, vale a pena o tempo, o esforço, os sacrifícios e todos os meus recursos? 

Estes são os momentos em que é particularmente difícil manter a cabeça erguida e continuar lutando, quando você não acredita em si mesmo e na sua missão o suficiente para continuar dando tudo de si. 

Aprendi, ao longo dos anos, que existem duas escolhas. Uma difícil, outra fácil. Algumas escolhas são mais difíceis do que outras, mas tornarão as coisas muito mais fáceis para nós no futuro. Algumas escolhas são preguiçosas, que optamos por facilidade, mas geram dificuldades e sofrimento prolongado no futuro. 

“Escolhas difíceis, vida fácil. Escolhas fáceis, vida difícil.” —Jerzy Gregorek

Recentemente, escrevi um artigo sobre como redescobri a minha identidade. Sempre fui motivada, mas durante momentos difíceis, ou períodos em que me sinto perdida, pode parecer fácil desistir. 

Tente, tente novamente

Desistir pode parecer diferente para cada atleta. Podem ser momentos em que simplesmente paramos de tentar, ou momentos em que estragamos as coisas. Nós nos atrapalhamos, indiferentes, mas descontentes, sempre desapontados e surpresos quando não atingimos as metas ou recebemos as recompensas que acreditávamos ter direito. 

Acabei de voltar de Rabat, no Marrocos, onde fui participar da primeira Copa do Mundo de 2023. Uma competição para a qual não estava preparada. Lutei nos treinos, não consegui fazer tudo dar certo. Chegou o primeiro dia de competição, acertei 19. Acertei cinco alvos dos oito primeiros.

Naquele momento não fazia ideia do que estava acontecendo, simplesmente não conseguia fazer acontecer o que esperava. Eu estava desanimada e com raiva por não ter conseguido acertar tantos pratos quanto queria. Na série seguinte, eu estava focada.  Confiante de que iria colocar tudo naquela série e coloquei! Até os últimos cinco pratos. Eu tentei tanto que perdi o fôlego e perdi três nos últimos cinco alvos. Fiquei com o coração partido. Infelizmente eu fiz outra série ruim. Eu estava desistindo.

Não desista da luta

Naquele momento eu havia descartado completamente a competição. Entretanto, decidi lutar. 

Não estava disposta a desistir desta competição, apesar do meu desempenho nas rodadas anteriores. Encontrei uma motivação (no texto original a autora utiliza o termo “gear”, engrenagem em português) extra, cavei um pouco mais fundo e me concentrei no processo. Fiz 24 e depois 25 do que parecia nada nas últimas 2 rodadas e consegui resgatar parcialmente minha pontuação, 109/125. Fiquei tão emocionada que não pude acreditar como consegui fazer isso. Eu verifiquei o placar, por dois pratos não consegui ir para a final. 

Acontece que eu não era a única que estava lutando. Se eu pudesse ter encontrado aquela motivação extra apenas uma rodada antes, poderia ter participado da final. Decepcionante, mas que retorno!

Mas esta não foi a primeira autossuperação

Um dos meus treinadores brincou no ano passado e se referiu a mim como “Rainha da autossuperação”. Eu ri e achei fofo, já que tive um péssimo começo de competição durante minha primeira seleção para o time principal em 2022. Fiz um 20 para começar e fiquei com o coração partido, não queria desperdiçar minha oportunidade. Após 30 minutos de lamentação, recebendo uma conversa estimulante do meu treinador, eu estava fora para atirar em minha próxima rodada. 

Lutei muito no resto da competição. Consegui fazer 25,23,23,23 para terminar em 114/125. Mais uma boa pontuação para o British Shooting, um PB internacional para mim, que também me qualificou para participar da final. Eu estava nas nuvens e emocionada com a autossuperação.

Mais tarde, em 2022, estive no Campeonato Mundial. As provas foram muito difíceis para mim. Foi uma semana muito difícil. Eu tinha atirado em uma seletiva na GB no fim de semana anterior e feito 100/125. A pior pontuação que fiz em anos. Eu não estava pronto para ir para o Mundial e chorei no carro durante todo o trajeto até o aeroporto. Eu não consegui nem chegar perto de meus objetivos durante os treinamentos. Não tinha autoconfiança e estava em pânico. 

Naquela competição, acertei 23,21,23,25,22 e finalizei com 114/125. Fiquei a dois pratos da final. Antes da competição começar, eu já tinha feito check-out mental, chorei no meu quarto todas as noites durante a competição, mas consegui acordar todas as manhãs e colocar minha cara de jogo, buscando a autossuperação.

Cavando fundo

Como atletas, sempre partimos com a intenção de ganhar o ouro, mas considerando a falta de autoconfiança que experimentei durante esta competição, a ideia de estar tão perto da final em meu primeiro Campeonato Mundial sênior foi um verdadeiro momento de reflexão.

Estou sentada aqui, agora voltando do Marrocos, refletindo. Esses retornos (autossuperação) são um acaso? O que aconteceu? De onde veio esse mecanismo? 

Minha força é não desistir. Muitas vezes esqueço disso e às vezes penso que é um acaso. Não é. Minha força é minha mente que diz que sou capaz de continuar lutando. Outros podem vê-la, e já é hora de eu reconhecê-la dentro de mim. Reconhecê-la significa que posso adicioná-la ao meu ‘kit de ferramentas’ e vou acreditar em mim como os outros acreditam. Podemos ter momentos em que estamos para baixo, mas devemos lembrar que não estamos fora da disputa.

No tiro, temos que lutar por cada prato, tratá-los como alvos individuais em vez de rodadas de 25. Devemos continuar, e devemos fazê-lo com intenção. Fazer as coisas sem entusiasmo não nos ajudará a alcançar nossos objetivos. Devemos parar de focar em uma pontuação, mas dividir a competição em pequenos passos, como em tudo na vida. É tão fácil se deixar levar pelo que os outros ao nosso redor estão fazendo, em vez de focar em nossa própria jornada. Precisamos lembrar que a única pessoa contra a qual precisamos competir somos nós mesmos e, assim que pudermos fazer isso, coisas incríveis acontecerão. 

Concluindo

O interessante texto produzido pela atleta olímpica Georgina Roberts não traz grandes novidades que possam, de imediato, acabar com nossas oscilações de resultados quando vivemos momentos difíceis no esporte.

O grande mérito do texto baseia-se no fato de mostrar que, mesmo atletas de alto rendimento passam por momentos de oscilações em seus resultados e que os mecanismos de autossuperação estão disponíveis internamente em cada um de nós. Por mais básico que seja, é comum esquecermos que cada prato é uma prova isolada com nós mesmos. O sucesso de cada uma destas provas resultará em um resultado final. Este resultado final somente saberemos ao final de uma série, do dia ou da competição. Não devemos nos preocupar com isso durante as provas.

Uma forte e eficaz rotina de tiro, autoconfiança e foco são a base para que o atleta possa “cavar fundo” e buscar seus mecanismos de autossuperação.

campeonato mineiro de trap
Uma forte e eficaz rotina de tiro é um importante mecanismo para que se possa buscar a autossuperação frente as oscilações de resultados.

Bons tiros!

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